By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: UOL – Imagem: Beto Macário (Uol)
Um
dos principais e mais reconhecidos programas federais contra seca no semiárido
sofre com cortes de verbas e tem uma previsão de redução de 95% no orçamento do
próximo ano, o que ameaça inviabilizar a construção de cisternas nas zonas
rurais do Nordeste e norte de Minas Gerais. A fila de espera por uma cisterna
de primeira água --destinada para consumo doméstico--, segundo a ASA
(Articulação do Semiárido, entidade que reúne 3.000 organizações sociais dos
nove Estados da região semiárida), chega a 350 mil famílias. Nos últimos 15
anos foram construídos mais de 1,2 milhão desses equipamentos.
Já
para as cisternas de segunda água --destinada à pequena agricultura e à criação
de animais-- há uma necessidade de 600 mil equipamentos.
Apesar
dos avanços, do reconhecimento internacional (o programa foi premiado em
setembro, na China) e da necessidade de mais cisternas, segundo a PLOA (Projeto
de Lei Orçamentária Anual) enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional,
a previsão para 2018 é de que haja investimento de R$ 20 milhões, o que
significa um corte de 95% em relação ao orçamento deste ano --quando a verba
prevista foi de R$ 248 milhões.
Levando
em conta que uma cisterna de primeira água custa em média R$ 3.100, em tese o
valor daria apenas para construir 6.451 equipamentos, ou seja, menos de 2% da
demanda --isso se todo orçamento previsto for executado. Já uma cisterna de
segunda água custa em torno de R$ 13 mil. Os valores incluem o curso
obrigatório que é feito pelos beneficiários do programa.
A
redução para 2018 também pode ser percebida quando comparada com o ritmo de
construção nos últimos anos.
Segundo
dados enviados pelo MDS (Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário) ao
UOL, levando em conta as construções de cisternas de primeira água, nos últimos
cinco anos a média de equipamentos construídos foi de 78 mil/ano. Neste ano, o
ritmo está um pouco menor, com 27 mil contabilizadas até junho.
Em
nota enviada ao UOL, o MDS confirmou que os valores do orçamento foram
contingenciados para 2018. A nota diz que a previsão de gastos foi enviada ao
Congresso baseada na meta fiscal anterior.
"Com
a nova meta aprovada pelo Congresso Nacional, haverá uma readequação nos
recursos disponíveis para a pasta", informou.
"Vale
ressaltar que o MDS trabalha permanentemente para que nenhuma ação ou programa
sejam prejudicados ou interrompidos", complementou.
"Não
diria que o governo está zerando o programa, mas é uma redução muito drástica.
O valor é muito menor que a demanda e ao que orçamento que vinha se
prevendo", diz Rafael Neves, coordenador do programa Um Milhão de
Cisternas, da ASA.
Neves
diz que além de os recursos serem poucos, não se sabe como eles serão
distribuídos. "O governo fala em lançar edital para o semiárido, mas não
se sabe", diz.
"Você
tem uma ação que vem vindo historicamente e viabilizando a permanência das
famílias na zona rural do semiárido. Com esse corte, inviabiliza. Isso nas
economias locais é um impacto enorme. Há injeções de recursos nesses
municípios", completa.
Gambiarra no
telhado ajuda, mas família passa sufoco
Em
Igaci, no semiárido alagoano, existem em torno de 500 famílias que ainda
aguardam uma cisterna de primeira água.
Na
casa de Vanderleia, 28, e Joseildo da Silva, 30, a longa seca fez com que o
casal improvisasse. Uma calha de alumínio foi colocada no telhado, e a água da
pouca chuva que cai fica armazenada em uma pequena caixa d'água.
Só
que, como a caixa é pequena, não demora a ser consumida --o que gera
transtornos na estiagem.
"Esse
improviso ajuda, mas, quando a seca apertou, a gente ia de casa em casa pedir
água e trazia com o balde. Era um sufoco", conta Vanderleia, mãe de dois
filhos e que trabalha com o marido no cultivo do fumo de rolo.
Gesan
Pereira Junior, 22, também fez o cadastro há dois anos e ainda aguarda pela
cisterna. "Hoje guardo água em tonéis porque não tenho onde colocar. Seria
um sonho ter uma cisterna, melhoraria demais a vida.
"Para
José Ferreira de Araújo, presidente da AAGRA (Associação de Agricultores
Alternativos) de Igaci, a construção de cisterna deve ser uma política
permanente. "Esses números nunca fecham porque há pessoas que sempre
constroem casas. Aqui é comum gente ir trabalhar em São Paulo por um tempo e,
quando volta de lá, constrói sua casa. Há jovens que casam. Ou seja, a lista de
espera é dinâmica", diz.
Política premiada internacionalmente
Segundo
o observatório do Insa (Instituto Nacional do Semiárido), dos 452 reservatórios
monitorados pelo órgão federal, 216 estão hoje com menos de 10% do volume. Ao
todo, somada a água de todos os reservatórios do semiárido chega-se a 13% do
volume total.No dia 11 de setembro, o programa brasileiro de cisternas recebeu
o prêmio Future Policy Award (Política para o Futuro), em Ordos, na China.
A premiação homenageia ações de combate à
desertificação e à degradação da terra e é concedido pelo World Future Council,
em cooperação com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à
Desertificação.
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