Seis mil quilômetros separam o Rio de Janeiro de Lima, no Peru. A
paradinha estratégica em São Paulo é apenas uma das 30 do roteiro, que
demora cinco dias e atravessa paisagens que vão da neblina paulistana ao
verde amazônico, passando pela Cordilheira dos Andes.
A
Transacreana, com base em Rio Branco, é a responsável desde abril pela
operação do trecho — que, no passado, entrou para o Guinness como a
viagem de ônibus mais longa do mundo.
E Josué Ribeiro, de 40 anos, é um dos que assume o comando da cabine
do ônibus. Sua experiência não poderia ser melhor para uma viagem cheia
de surpresas.
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Ex-técnico de enfermagem, ele abandonou a área da
saúde há 16 anos, depois de fazer a vida "pilotando" ambulâncias. Agora,
alterna 15 dias na estrada com 15 dias em casa, em Rio Branco.
A viagem, claro, não é feita sozinha. Josué e colegas se revezam em
turnos de quatro horas, com três paradas mais longas por dia.
Fiz isso porque gosto de viajar, sempre gostei, mesmo quando trabalhava na saúde no Acre, as férias sempre foram de viagem de carro com a minha família.
Antes de encarar a rota Rio — Lima, Josué já tinha começado a carreira
internacional, mas de forma mais modesta. Ele ia de Rio Branco a Porto
Maldonado, no Peru, em uma viagem de 530 km.
Mal da altitude
Outros trechos, no entanto,
não são capazes de preparar os profissionais para os desafios impostos
pelas estradas que vão até Lima, construídas em serras que castigam os
profissionais com o "mal da altitude".
Cusco, no
Peru, por onde o ônibus passa, fica mais de 3.300 metros acima do nível
do mar, em meio aos Andes peruanos. O ar rarefeito, com menos oxigênio, causa sintomas desagradáveis como dor de cabeça, enjoo, dificuldade de respiração e fraqueza.
Nem
a mulher de Josué, acostumada a viajar com ele, encara a rota. "Formei
minha família já motorista e minha mulher gosta de viajar também, então
quando está de férias ela viaja comigo. Só para o Peru que ela não vai,
porque sente muita enxaqueca."
Sempre tem dois motoristas na frente, caso quem estiver no volante
passe mal, principalmente na parte da Cordilheira. Tem umas serras que
estão a 4 ou 5 mil metros de altitude e às vezes dá náuseas,
o pessoal fica tonto. Na primeira vez que fui, senti, mas não foi nada
tão extremo. Vamos nos acostumando com o passar dos dias
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Outro desafio, segundo o motorista, é a segurança nas estradas no
Peru, cheias de pontos cegos pelo relevo acidentado. É preciso abusar
das buzinas nas curvas para alertar quem vem do outro lado.
Apesar das dificuldades, as vantagens superam os perrengues, segundo o motorista.
Apaixonado
pelas estradas, Josué entende bem por que os clientes escolhem viajar
de ônibus, mesmo que o trecho de cinco dias seja muito mais cansativo do
que as cinco horas de voo entre São Paulo e Lima.
A visão é única. Na primeira viagem nessa rota, teve cliente que
faria a ida de ônibus e voltaria de avião, mas gostou tanto que decidiu
retornar com a gente também. É satisfatório saber que as pessoas estão
vendo coisas novas. Eles querem muito ver as serras, filmar a
Cordilheira, a mudança da parte da Amazônia para a parte que já é deserto. É surreal
Rostos e sotaques
Diversidade não é só uma
característica do que se vê pelas janelas, mas também dos passageiros
que encaram o trecho. São peruanos que querem passar uma temporada no
país onde nasceram ou voltar para a terra natal e brasileiros
aventureiros, com mochila nas costas.
Parte dos peruanos que
embarcava no Tietê em uma noite fria do fim de abril já era "veterana"
desse tipo de viagem: eles costumavam embarcar com outra empresa, a Ormeño, que decretou falência em 2022.
Uma dessas clientes antigas, Vanessa esperava para começar sua última viagem para a terra natal.
Acompanhada
dos dois filhos, de 9 e 4 anos, a mulher decidiu voltar de vez ao Peru
após sete anos em São Paulo trabalhando como costureira e criando as
crianças sozinha.
Vim com o pai deles, mas depois nos separamos e cada um tomou seu
rumo. Meu ex-marido foi embora e fiquei sozinha. Demoramos para nos
acostumar, por causa do idioma e tudo mais, mas pouco a pouco fomos nos
adaptando. Depois, minha filha nasceu aqui e, apesar de ter dias e dias,
eu gostei muito do Brasil
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Os perrengues à vista preocupam pouco os passageiros, já escaldados na arte de se virar dentro de um busão.
No segundo andar do ônibus da Transacreana, os passageiros têm um
filtro de água. Já o banheiro fica no térreo e conta apenas com privada e
uma pia pequena. Em uma das fileiras de leitos, alguns viajantes contam
com cortinas que ajudam a isolar os assentos.
Para tomar banho, só nas paradas em postos de serviço. São três por dia, para higiene e refeições.
As
paradas para almoço e jantar, de cerca de uma hora, são as recomendadas
pela empresa para quem quiser usar o chuveiro. Já a primeira parada do
dia, para o café da manhã, é a mais apressada — dura só 30 minutos.
"É
cansativo, mas como o ônibus é novo, tem mais comodidade. Antes não
tinha isso. Antigamente ele saía daqui fazendo escalas longas, tinha de
trocar de ônibus. Mas indo direto é bem mais fácil", dizia Rolan, pouco antes de embarcar em São Paulo.
E é a rota mais longa do mundo?
Saber
exatamente qual a rota de ônibus mais longa do mundo não é tarefa fácil,
uma vez que frequentemente novas rotas surgem e são extintas em cada
país.
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Um trajeto nada linear de Rio a Bogotá, com 14 mil
quilômetros de extensão por vários estados e países e com inúmeras
paradas, chegou a ser operado pela companhia peruana Ormeño, mas foi
extinto com a falência da empresa, no ano passado.
Ela era considerada a mais longa viagem de ônibus, apesar de não ter figurado no livro dos recordes.
Já
a rota Rio-Lima está no Guinness World Records desde 2016 (quando era
operada pela Ormeño) como a mais longa rota de ônibus do mundo, com
6.200 quilômetros de extensão.