segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Justiça autoriza criança a ter nome de dois pais na certidão



By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: A REDE Imagem: Divulgação

A pequena Maria Heloísa dos Santos Ferreira Pires, que ainda nem completou 3 anos, pode não ter idade suficiente para compreender o que é uma certidão de nascimento ou uma carteira de identidade, mas já consegue distinguir bem as figuras de cada um de seus dois pais – o biológico e o socioafetivo. Conforme decisão da Justiça, a menina terá a partir de agora os nomes de ambos no seu registro de nascimento e em todos os documentos que for tirar daqui por diante.
A sentença foi proferida pela magistrada Ilda Eloisa Corrêa de Moricz, da Vara de Família e Sucessões de São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. A juíza homologou, no final de janeiro, um acordo proposto pela Defensoria Pública do Paraná de registro de filiação multiparental. Com isso, Maria Heloísa terá, além dos dois pais e da mãe, o nome dos seis avós em seu registro de nascimento.
“Na verdade, eu entrei com esse processo justamente caso acontecesse alguma coisa, ou então se precisasse de comprovação para levá-la em uma viagem, por exemplo. Como eu iria comprovar que sou pai dela? Não tinha meu nome nem nada”, justifica o auxiliar contábil Fernando de Lima Pires, pai biológico da criança. Antes mesmo de ingressar com a ação de multiparentalidade, ele fez um exame de DNA para comprovar a paternidade da menina.
Grávida
A história toda começou quando a mãe de Maria Heloísa, a subgerente de farmácia Maiara dos Santos, conheceu Fernando, há cerca de 3 anos. Eles tiveram um relacionamento passageiro e, sem saber, Maiara engravidou. Nesse mesmo período, ela conheceu o pedreiro Rafael Vieira Ferreira, seu atual marido. Quando souberam da gravidez, Rafael achou que o bebê fosse seu e acabou registrando a criança com seu sobrenome. Depois que a criança nasceu, Fernando começou a desconfiar que a filha pudesse ser sua e pediu um exame de DNA.
Comprovada a paternidade, Fernando decidiu fazer parte da vida da filha. Com a autorização de Maiara e Rafael, ele começou a participar da rotina da menina, ajudando nas despesas e ficando com ela nos finais de semana, uma vez a cada 15 dias. A partir desse acordo, a Defensoria Pública propôs uma ação para os dois pais constassem no registro de Maria Heloísa, o que traria segurança jurídica a todos e garantiria os direitos da menina, além de respaldar o convívio socioafetivo que já havia.
“Hoje, o conceito de família mudou bastante. Até a década de 90, muito em razão das limitações científicas e da inexistência de um exame que revelasse o vínculo de filiação entre as pessoas, família era considerada como aquela que estava comprovada em registro. Com o advento do exame de DNA, conseguiu-se comprovar a quem pertencia a paternidade biológica e que muitas vezes não coincidia com aquele que efetivamente registrou. Por outro lado, muito além da verdade biológica, hoje se considera pai tanto aquela pessoa que tem um vínculo genético quanto aquela que tem um vínculo afetivo. Pai é aquele que cuida, que cria. O conceito de família atualmente é pautado mais pelo vínculo de afeto do que pelo vínculo meramente sanguíneo. Vide as novas formas de composições familiares que emergem nesse novo século, como as famílias homoafetivas e poliafetivas”, explica o defensor público Dezidério Machado Lima, que ajuizou a ação.
Com a decisão da Justiça, ambos os pais assumem direitos e deveres com relação a Maria Heloísa, como cuidar do bem-estar diário dela e contribuir com recursos para o seu sustento, dividindo obrigações e repartindo o carinho. Fernando conta que a filha tem bom relacionamento com a atual companheira dele e com a família do pai biológico. Maiara, por sua vez, está satisfeita em ver a filha com tanta gente ao redor para amá-la e criá-la. “Tem muita gente que tem um pai biológico, outro de afeto. Ou que tem duas mães, e é a avó quem cria. São situações que acontecem. Só que não são comprovadas em nenhum papel”, comenta.
Maiara, que tem ainda um filho de 6 anos do primeiro casamento e mais um bebê de 7 meses com Rafael, conta que nunca enfrentou resistência ou preconceito de vizinhos e familiares em relação à ideia de registrar a filha com o nome dos dois pais. “Para a gente, é normal. A Maria é uma criança que tem uma mãe, dois pais e seis avós. É paparicada por todo mundo, mimada por todo mundo. Enquanto tem gente que não tem nem um pai, como eu, ela tem dois”, salienta.
Sentença considerou relação socioafetiva
A ação de multiparentalidade proposta pela Defensoria Pública foi ajuizada em 16 de janeiro de 2015. Apesar de haver acordo entre as partes envolvidas, foi necessário aguardar quase um ano para que a sentença fosse expedida. Isso porque uma das etapas mais delicadas – e demoradas – do processo foi o estudo psicossocial feito pelo Juízo, que foi realizado somente em dezembro do ano passado.
Nesse estudo, concluiu-se que a menina reconhecia tanto o pai biológico quanto o pai registral como figuras paternais e de afeto, e que o relacionamento de ambos com ela estava envolto em laços afetivos bem consolidados. Tanto que Maria Heloísa chama tanto Rafael quanto Fernando de “papai”. Além disso, a convivência entre todos é pacífica.
“Do ponto de vista jurídico, esse caso prestigia uma nova visão do Direito Civil, incorporando valores constitucionais e de direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, o direito à identidade, à individualidade, à felicidade. O artigo 1.593 do Código Civil, que explicita que ‘o parentesco é natural ou civil conforme resulte de consanguinidade ou outra origem’, também não limita as relações de parentesco à consanguinidade, o que fundamenta o reconhecimento da filiação multiparental”, explica o defensor público Dezidério Machado Lima.
Ele alerta, porém, que a família e a menina podem enfrentar problemas burocráticos na hora de preencher formulários, registros e outras documentações em razão de se tratar de um caso pouco convencional, muitas vezes não previsto em regulamentos e outras situações cotidianas, mas enfatiza que esses obstáculos não devem inviabilizar o direito das pessoas envolvidas, devendo o Estado adequar-se a essas novas configurações familiares.


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