terça-feira, 12 de agosto de 2014

São João Maria: fé e tradição



By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: Paulo Henrique Sava (Rádio Najuá) Imagem: Divulgação


A tradição do culto a São João Maria foi tema de uma palestra realizada nesta quinta-feira, 07, no auditório do PDE da UNICENTRO. O ministrante da palestra foi o Professor Dr. Paulo Pinheiro Machado, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que falou sobre a tradição do monge na região sul do Brasil e sobre os últimos estudos existentes a respeito dele.
O território de atuação e memória de São João Maria no Brasil concentra-se principalmente nas regiões sudeste, centro-oeste e sul do país. Segundo Machado, estudos recentes levam a um levantamento de várias concentrações camponesas que aconteceram num período de 100 anos, mas todas elas acabaram sendo dissolvidas com a ação da polícia e do Exército em diferentes momentos. 
João Maria passou por diversas províncias até chegar a Santa Maria da Boca do Monte, cidade da região central do Rio Grande do Sul, onde sinalizou algumas fontes de água e, em torno dele, criou-se uma concentração. 
Machado explicou sobre o Canudinho de Lages; o Movimento dos Monges do Pinheirinho, em Encantado, no Rio Grande do Sul, e principalmente sobre o movimento mais sangrento de todos, que foi a Guerra do Contestado. Todos com o mesmo padrão de formação de redutos com videntes, monges, quadros santos e uma série de características que vinham de outras concentrações remanescentes.
Em entrevista à Najuá, o professor explicou que a tradição do culto a São João Maria é muito antiga. “Ela tem origem nas peregrinações do primeiro João Maria, que era um religioso que não foi ordenado padre, mas estudou no seminário, o italiano Giovanni Maria D’agostini, que andou pelo Rio de Janeiro, São Paulo, desceu a estrada das tropas pelo Paraná, foi até o Rio Grande do Sul, esteve também na Argentina e no Paraguai”, explicou.
Segundo Machado, João Maria foi criando assim uma admiração por parte da população cabocla por causa de seus conselhos, pela sua visão de mundo e pela sua relação com a natureza. “Entre elas, aquilo que ele divulgava, o respeito às fontes de água, que as pessoas deviam respeitar as vertentes, evitar as queimadas, evitar os maus tratos aos animais. João Maria tinha uma visão de que ‘planta é quase bicho, e bicho é quase gente e que a vida é uma só, e que quem não sabe ler a natureza, é um analfabeto de Deus’”, ponderou. 
Para o professor, esta visão de João Maria impunha limites à própria exploração da natureza. “Ele dizia que ‘não se deve tirar o mel todo sem deixar alguns favos para as abelhas’, ou seja, a noção é de que aquilo que a gente tira da natureza tem que deixar uma parte para que ela se recomponha”, frisou Machado.
Olho d'água de São João Maria
O professor comenta que, por conta de sua vivência, São João Maria é cultuado em diversas comunidades caboclas, indígenas, de imigrantes e de várias origens étnicas e têm seus costumes ligados à tradição do monge. As regiões norte do Rio Grande do Sul, Oeste, Meio-oeste e Planalto de Santa Catarina, Sul e Sudoeste do Paraná são regiões de uma forte presença da tradição do culto aos olhos d’água de São João Maria. 
“Eles atribuem à passagem do monge a transformação destes locais em territórios sagrados. Não somente estas águas são chamadas de santas, mas nos locais por onde o monge passou foram colocadas cruzes”, frisou. O professor conta que as cruzes colocadas em Santa Catarina são feitas de cedro falquejado, ou seja, madeira de cedro que era enterrada e que depois brotava. “Ela, brotando, formava uma nova árvore onde era uma cruz, e isso tinha um sentido de renovação muito forte de vida ligada a essa tradição de João Maria”, ressaltou.
Guerra do Contestado
Machado comenta que João Maria não teve participação direta na Guerra do Contestado (1912-1916), cedendo seu lugar para um curandeiro chamado José Maria. “Quando esse curandeiro morreu no primeiro combate do Irani, em outubro de 1912, a memória dele foi cada vez mais associada ao primeiro monge, ao João Maria. Então, mesmo a população separando esses dois indivíduos, acabou que a trajetória de José Maria foi cada vez mais santificada e aproximada de João Maria, mas foram dois indivíduos diferentes”, ressaltou.
Relatos 
Algumas pessoas comentam que conversaram com o próprio monge João Maria, e afirmam também terem sido batizadas por ele. O professor afirmou que conhece algumas destas pessoas. “O João Maria não é um único indivíduo, é uma legenda. Existem hoje vários indivíduos que circulam pelo sul do Brasil e que acabam assumindo essa identidade de João Maria”.
Machado afirmou que esta proliferação de João Maria é um fenômeno religioso muito complexo. “Não se trata de pessoas que estejam agindo de má fé, são pessoas que se irmanam a uma tradição, que defendem determinados princípios, não tiram vantagens pessoais em cima disso, porque João Maria nunca vendeu seus serviços, mas são partes de uma tradição muito grande e muito extensa geograficamente”, finalizou.
 
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