By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: UOL – Imagem: Divulgação
A
menos de uma semana da votação decisiva da denúncia contra Michel Temer no
plenário da Câmara, dados do portal de transparência Siga Brasil dão nuances da
negociação que livrou o presidente de um parecer favorável ao prosseguimento da
acusação por corrupção passiva na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
A
liberação das emendas dos dois deputados que relataram, com conclusões opostas,
a denúncia tem dinâmicas díspares.
Nas
duas primeiras semanas deste mês, o volume de recursos empenhados para o
deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), autor do parecer favorável ao presidente
aprovado pelo colegiado, dobrou de R$ 5,1 milhões para R$ 10,1 milhões. Na
contramão, Sergio Zveiter (PMDB-RJ), que havia recomendado a continuidade da
análise da denúncia Supremo Tribunal Federal (STF), não teve nenhuma parcela de
sua cota liberada.
As
emendas parlamentares são adendos incluídos por deputados e senadores no
orçamento da União, geralmente prevendo investimentos em suas bases eleitorais,
como a construção de estradas e reforma de hospitais. O empenho é a fase do
processo orçamentário em que o governo se compromete a liberar esses valores.
O levantamento
feito pela BBC Brasil nos dados compilados pelo Siga Brasil considera o volume
de recursos empenhados até 6 de julho e, depois, em 19 de julho. Entre uma data
e outra, a CCJ rejeitou a denúncia contra Temer - a comissão recusou o parecer
de Zveiter e, em seguida, aprovou o de Abi-Ackel.
A
partir do próximo dia 2, a denúncia será votada no plenário. Se ao menos 342
deputados, ou dois terços da Casa, se manifestarem pelo prosseguimento, o STF
irá decidir se transforma o presidente em réu, o que levaria a seu afastamento
por até 180 dias para julgamento.
Para
cientistas políticos, a diferença entre os valores reflete a estratégia do
governo para garantir vitória em um colegiado menor, em que o peso individual
de cada parlamentar aumenta.
"Não
é o principal instrumento do governo na relação entre Executivo e Legislativo,
mas é um caminho para mobilizar poucos nomes de grande peso", avalia
Rafael Cortez, da Tendências Consultoria.
Dos
66 integrantes da CCJ, 40 votaram contra o parecer de Zveiter recomendando
prosseguimento da denúncia no último dia 13 - desses, 21 se reuniram com Temer
nos dez dias anteriores à decisão do colegiado, como consta da agenda
presidencial divulgada pelo Palácio do Planalto.
Entre
os deputados que participaram dos encontros estão três parlamentares cujo valor
de emendas liberadas até 6 de julho era zero. No dia 19, porém, a verba para
Domingos Neto (PSD-CE) já chega a R$ 10,7 milhões, o quinto maior na lista dos
513 deputados; Elizeu Dionizio (PSDB-MS) somava R$ 2,7 milhões; e Arthur Lira
(PP-AL), R$ 1,2 milhão.
Juntos,
eles viram empenhados R$ 15 milhões entre uma data e outra.
Procurada
pela BBC Brasil, a Presidência da República afirmou que "não existe
relação entre liberação de emenda e presença do parlamentar na CCJ", e
destacou que as emendas orçamentárias têm pagamento obrigatório, que metade dos
recursos dessas dotações deve ser destinada obrigatoriamente à área de saúde e
que o empenho não significa liberação imediata, que ocorre apenas em uma fase
posterior.
Na
nota, o Planalto ressaltou ainda que as emendas devem estar de acordo com a Lei
de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e com o Plano Plurianual (PPA), e que passam
por uma avaliação prévia de admissibilidade no Congresso. "São recursos
destinados a diversos municípios para realização de obras essenciais, como
projetos de saúde, saneamento, educação, mobilidade urbana ou iluminação
pública."
A BBC
Brasil entrou em contato com as assessorias de Neto e Dionizio, que não se
manifestaram até a publicação deste texto. A reportagem não conseguiu falar com
os gabinetes de Lira e Abi-Ackel.
Espaço para barganha
Beto
Mansur (PRB-SP), vice-líder do governo na Câmara, também viu os recursos
empenhados para emendas suas dispararem - foram de R$ 5,1 milhões a R$ 9,8
milhões. O deputado é parte da tropa de choque que tenta convencer os indecisos
a votarem a favor do presidente na votação prevista para ocorrer na próxima
quarta-feira.
Na
contabilidade informal do Planalto, disse o parlamentar recentemente em
entrevistas, há 80 deputados em dúvida, quase um terço dos 300 com os quais
Temer espera contar. Procurado pela reportagem, Mansur não se manifestou. Zveiter,
por sua vez, é um dos 225 nomes que não tinham tido qualquer valor liberado até
meados de julho. Na CCJ, apenas Maia Filho (PP-PI), que votou para barrar a
denúncia, estava na mesma situação.
Desde
2015 as emendas individuais são impositivas, ou seja, o governo é obrigado a
liberar os valores até o fim do ano. O total dividido entre deputados e
senadores é fixado por lei em 1,2% da receita corrente líquida do ano anterior,
ou seja, o volume de tributos arrecadados pelo governo federal menos as
transferências obrigatórias a Estados e municípios.
Como
o governo define a execução do orçamento ao longo do ano, ele encontra espaço
para barganha no "timing" da liberação das emendas, explica Cláudio
Gonçalves Couto, professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação
Getulio Vargas (FGV)."Claro que, para um parlamentar, quanto antes,
melhor, pois ele tem mais tempo para alardear seus feitos tanto junto à base
eleitoral como junto às empresas que serão beneficiadas pelo gasto público,
assim como junto aos governos locais que terão obras e outros benefícios
executados.
"O
cientista político lembra ainda que, embora o governo seja obrigado a liberar o
percentual da receita corrente líquida fixado por lei, os parlamentares podem
propor emendas que ultrapassem esse valor caso a estimativa de arrecadação do
ano vigente seja maior.
Nesse
caso, o governo pode ou não repassar a diferença. "Há aí um espaço para barganha".
Dobro em 15 dias
Quase
toda a verba para emendas empenhada entre janeiro e julho deste ano foi
liberada nos últimos dois meses, coincidindo com o período de articulação do
governo para a votação na comissão, mostram números levantados pela ONG Contas
Abertas.
Foram
R$ 2 bilhões em junho e outros R$ 2,1 bilhões até 19 de julho, 97,5% do total
contabilizado em 2017 - R$ 4,2 bilhões.
Entre
os parlamentares da CCJ, o volume praticamente dobrou entre os dias 6 e 19 de
julho, conforme os dados do Siga Brasil. Foi de R$ 219,3 milhões para R$ 423,8
milhões.
Mas
para o vice-coordenador do Núcleo de Estudos Comparados e Internacionais da
Universidade de São Paulo (Neci-USP), o cientista político Fernando Limongi, a
concentração das liberações nos últimos dois meses não está necessariamente
ligada à movimentação do governo para garantir maioria na comissão.
Em
2016, ele exemplifica, houve uma concentração maior do mês de maio, quando
foram empenhados R$ 3,8 bilhões dos R$ 7,3 bilhões do ano.
"Sempre
se pode achar uma razão política para explicar esta concentração. Mas o fato é
que a concentração atual não implica que necessariamente estas liberações
estejam ligadas a compra de apoio como se diz. Pode ser, não há prova
conclusiva", pondera.
Maio foi o mês do ano passado em que a ex-presidente
Dilma Rousseff foi afastada temporariamente pelo Senado para o julgamento que
acabou cassando seu mandato. Temer assumiu o cargo.
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