Com a aprovação do relatório, a comissão de inquérito, criada para
investigar ações e omissões do governo durante a pandemia, encerra os seis meses de trabalho pedindo o indiciamento de 78 pessoas e duas empresas.
O relatório aprovado pelos senadores tem 1.289 páginas e responsabiliza o presidente Jair Bolsonaro por considerar que ele cometeu pelo menos nove crimes.
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Há também pedidos de indiciamento de ministros, ex-ministros, três
filhos do presidente, deputados federais, médicos, empresários e um
governador – o do Amazonas, Wilson Lima. Duas empresas que firmaram
contrato com o Ministério da Saúde – a Precisa Medicamentos e a VTCLog –
também foram responsabilizadas.
Votaram a favor do relatório:
- Eduardo Braga (MDB-AM)
- Humberto Costa (PT-PE)
- Omar Aziz (PSD-AM)
- Otto Alencar (PSD-BA)
- Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
- Renan Calheiros (MDB-AL)
- Tasso Jereissati (PSDB-CE)
Votaram contra o relatório:
- Eduardo Girão (Podemos-CE)
- Jorginho Mello (PL-SC)
- Luis Carlos Heinze (PP-RS)
- Marcos Rogério (DEM-RO)
A aprovação do relatório se deu após mais de sete horas de discussão,
com dois intervalos, em meio a contestações da tropa governista
minoritária na CPI.
Senadores aliados ao Palácio do Planalto refutaram a tese de que
Bolsonaro foi responsável pelo agravamento da pandemia no Brasil e
apresentaram votos em separado nos quais pediram a investigação sobre a
atuação de governadores e prefeitos. As propostas, porém, não foram
sequer votadas, já que o parecer de Renan Calheiros foi aprovado antes.
Em um primeiro desdobramento da CPI, senadores planejam entregar o relatório ao procurador-geral da República, Augusto Aras, já nesta quarta-feira (27).
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Mudanças na reta final
A última versão do relatório final foi apresentada na manhã desta terça-feira, horas antes da votação do parecer.
Na reta final, o relator acatou pedido de senadores e decidiu incluir
doze novos nomes na lista de indiciamentos. São assessores e
ex-assessores do Ministério da Saúde, pessoas envolvidas no “mercado
paralelo” de vacinas, o governador do Amazonas, Wilson Lima, e o
ex-secretário de Saúde do estado, Marcellus Campêlo.
O nome do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) chegou a ser incluído na
lista nesta terça, mas foi retirado novamente no fim da tarde.
Também houve a inclusão de pedido para que a advocacia do Senado acione
o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República a fim de
que promovam a responsabilização de Bolsonaro por “campanha
antivacina”.
A decisão foi tomada após o presidente fazer, durante uma "live" em uma rede social, menção a uma informação falsa que associa a vacinação contra a Covid à Aids. Após repercussão negativa, o registro da transmissão foi excluído por YouTube, Facebook e Instagram.
O relatório também solicita que a advocacia do Senado peça a “imediata interrupção da continuidade delitiva” por meio do afastamento de Bolsonaro de todas as redes sociais para a “proteção da população brasileira”.
A discussão
Ao longo da manhã e da tarde, senadores discursaram sobre os trabalhos
da comissão. De um lado, parlamentares aliados acusaram a comissão de
ser um instrumento político e eleitoral. Já a maioria do grupo apontou
para as irregularidades cometidas pelo governo ao longo da pandemia.
Em discurso, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE)
disse ser "evidente" que Bolsonaro não criou o vírus, mas "tão evidente
quanto" que o presidente "se esforçou diuturnamente para acelerar a
propagação do vírus".
“Essa é uma ação consciente e confessa.
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Salvo engano, há mais de 200
vídeos juntados aos autos onde o presidente da República, de forma
metódica, ensaiada, preparada, organizada, utilizando as ferramentas de
Estado, fez com que os brasileiros se protegessem menos, acreditassem na
fantasia de remédios milagrosos, questionassem e desrespeitassem
medidas de contenção básicas que todos os outros países seguiram”,
afirmou Vieira.
Um dos principais aliados do governo na CPI, o senador Marcos Rogério (DEM-RO)
chamou a comissão de “estelionato político”, afirmando que a comissão
“não investigou e protegeu acusados de corrupção nos estados e
municípios”.
“E o relatório é uma grande fake news processual, porque acusa sem
provas e se ancora numa narrativa do jogo pré-eleitoral”, afirma o
governista.
Indiciado por incitação ao crime, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ)
afirmou que a comissão “escolheu os acusados e trabalhou
incansavelmente para tentar incriminá-los” e acusou o relator, Renan
Calheiros, de abuso de autoridade.
Ele também afirmou que a CPI é o "maior atestado de idoneidade do governo Bolsonaro".
"O maior 'escândalo', entre aspas, que foi levantado aqui foi o de uma
vacina que não foi comprada. Nem um real de dinheiro público foi gasto",
disse o filho do presidente. A compra da vacina indiana Covaxin, no
entanto, apenas foi suspensa após revelações de irregularidades
apresentadas durante a comissão. O contrato previa um pagamento de R$
1,6 bilhão para a aquisição do imunizante.
Vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
foi um dos últimos a falar na sessão desta terça-feira, antes da
votação do relatório. Ele ocupou, temporariamente, o assento do
presidente do colegiado no plenário, espaço cedido por Omar Aziz
(PSD-AM), para o pronunciamento.
Randolfe exibiu um vídeo com declarações do presidente Jair Bolsonaro,
em que o chefe do Executivo chama a Covid-19 de "gripezinha"; diz que se
chama Messias, mas não faz "milagre", ao ser questionado sobre vítimas
do coronavírus; e sugere que vacinas podem transformar pessoas em
jacarés, entre outras declarações criticadas por especialistas em saúde.
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As falas foram um dos motivos, conforme Randolfe Rodrigues, para
criação do colegiado.
O vice-presidente da CPI também destacou os fatos apurados pela
comissão, como negociações suspeitas para a compra de vacinas e a demora
do governo na busca por imunizantes; e citou os nomes de Major Olimpio
(PSL-SP), José Maranhão (MDB-PB) e Arolde de Oliveira (PSD-RJ), três
senadores que morreram vítimas da Covid.
"Às vítimas da pandemia, que descansem em paz. A todos os brasileiros e
brasileiras, teremos a missão de fazer este relatório ser cumprido",
declarou o vice da CPI.
Relator, Renan Calheiros (MDB-AL)
fez duras críticas a Bolsonaro. Adversário político do presidente,
Renan disse que o governo Bolsonaro "sabotou a ciência" e é
"despreparado", "desonesto", "caviloso", "arrogante", "autoritário", entre outras adjetivações.
"O caos do governo Jair Bolsonaro entrará para a história como o mais
baixo degrau da indigência humana e civilizatória. Reúne o que há de
mais rudimentar, infame e sombrio da humanidade", afirmou Renan.
Último a discursar, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM),
voltou a defender que o relatório final não será arquivado sem gerar
resultados práticos, ou seja, sem que as pessoas apontadas por terem
cometido crimes sejam efetivamente responsabilizadas.
"Não queríamos e não queremos vingança – queremos justiça. Se alguém
acha que algum procurador vai matar no peito esse relatório e dizer que
isso aqui são narrativas, vai ter que dizer como são narrativas, sabe
por quê? Porque esse documento é público", disse.
O que diz o relatório
O relatório da CPI da Covid aprovado pelos senadores traz, entre outros elementos:
- imagens do presidente provocando aglomerações,
- declarações em que desdenha da vacina e incita a população a invadir hospitais e
- o esforço pessoal de Bolsonaro, ao lado do Itamaraty, para articular com a Índia a compra de matéria-prima para a produção de cloroquina – remédio ineficaz para a Covid.
O documento também detalha o atraso na aquisição de vacinas e a
sucessiva falta de resposta às fabricantes, como a Pfizer e o Instituto
Butantan, que desde 2020 tentavam vender o imunizante ao governo
brasileiro.
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O documento ainda aponta para a existência de um gabinete paralelo
– composto por médicos, políticos e empresários – que aconselhava o
presidente “ao arrepio das orientações técnicas do Ministério da Saúde”.
Segundo o relator, partiu desse grupo a ideia da propagação do vírus
“livremente entre a população”, a fim de que fosse atingida a “imunidade
de rebanho” por meio da contaminação natural.
Conforme o relator, a CPI pôde comprovar:
- o "evidente descaso" do governo com a vida das pessoas, comprovado no “deliberado atraso” na aquisição de vacinas;
- a "forte atuação" da cúpula do governo, em especial do presidente da República, na disseminação de notícias falsas sobre a pandemia;
- a existência de um gabinete paralelo que aconselhava o presidente com informações à margem das diretrizes científicas;
- a intenção de imunizar a população por meio da contaminação natural (a chamada imunidade de rebanho);
- a priorização de um "tratamento precoce" sem amparo científico de eficácia e a adoção do modelo como “política pública declarada”;
- o desestímulo ao uso de medidas não farmacológicas - como as máscaras e o distanciamento social;
- a prática, por parte do governo federal, de atos "deliberadamente voltados contra os direitos dos indígenas".
Crimes atribuídos a Bolsonaro
No caso de Bolsonaro, Renan Calheiros pede indiciamento pelos seguintes crimes:
- epidemia com resultado morte
- infração de medida sanitária preventiva
- charlatanismo
- incitação ao crime
- falsificação de documento particular
- emprego irregular de verbas públicas
- prevaricação
- crimes contra a humanidade
- crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo)
“O presidente da República repetidamente incentivou a população a não
seguir a política de distanciamento social, opôs-se de maneira reiterada
ao uso de máscaras, convocou, promoveu e participou de aglomerações e
procurou desqualificar as vacinas contra a covid-19.
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Essa estratégia, na
verdade atrelada à ideia de que o contágio natural induziria a
imunidade coletiva, visava exclusivamente à retomada das atividades
econômicas”, escreveu Renan Calheiros no documento.
Segundo o relator, as ações de Bolsonaro durante a pandemia podem ser
enquadradas em crime de responsabilidade — infração imposta ao
presidente da República em caso de atos que atentam a Constituição, e
que podem resultar em impeachment.
Isso porque, escreveu o relator, a atuação de Bolsonaro “mostrou-se
descomprometida com o efetivo combate da pandemia da Covid-19 e,
consequentemente, com a preservação da vida e integridade física de
milhares de brasileiros”.
Entre os atos de Bolsonaro que, para Renan, “incontestavelmente
atentaram contra a saúde pública e a probidade administrativa”, estão a
"minimização constante da gravidade da Covid-19" e a criação de
mecanismos ineficazes de controle e tratamento do coronavírus.
O relator afirmou ainda que Bolsonaro “foi o principal responsável pela propagação da ideia de tratamento precoce”.
“Em tempos normais, seria apenas um exemplo de desprezível
charlatanismo pseudocientífico. Contudo, em meio a uma pandemia global,
colaborou para gerar uma monstruosa tragédia, na qual alguns milhares de
brasileiros foram sacrificados”, escreveu o relator.
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