By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: G1 – Imagem: Divulgação
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta afirmou nesta terça-feira (4), na CPI da Covid,
que o presidente Jair Bolsonaro teve dúvida quando apresentado, ainda
no início da pandemia, a uma estimativa de 180 mil mortos até dezembro
de 2020 caso o país não adotasse medidas firmes de combate ao
coronavírus.
O ex-ministro foi à CPI na condição de testemunha, quando há o
compromisso de dizer a verdade sob o risco de incorrer no crime de falso
testemunho. O Brasil já tem mais de 408 mil mortes por Covid-19.
- Bolsonaro queria que a Anvisa mudasse a bula da cloroquina, remédio ineficaz contra a Covid
- era 'constrangedor' explicar divergências com o presidente sobre medidas de isolamento social
- 'provavelmente' Bolsonaro se aconselhava sobre a pandemia com fontes de fora do Ministério da Saúde
- governo não quis fazer campanha oficial contra a Covid
- a política de testagem em massa foi abandonada depois que ele deixou a pasta
- a falta de unidade na ação do governo confundiu a população e teve impacto na pandemia
Mandetta deixou o ministério após divergências com Bolsonaro, envolvendo as opiniões do presidente sobre o combate à pandemia. O presidente é contrário ao isolamento social e defende a cloroquina, remédio sem eficácia contra o vírus.
"Eu levei, expliquei. 180 mil óbitos para quem tinha na época menos de
mil era um número muito difícil de você fazer uma assertiva dessa. Eu
acho que ali ficou dúvida, porque tinham ex-secretários de saúde,
parlamentares, que falavam publicamente: 'Olha, essa doença não vai ter 2
mil mortos, essa doença vai durar de 4 a 6 semanas’. Havia uma
construção também de pessoas que falavam absolutamente o contrário. Eu
acho que, naquele momento, o presidente entendeu que aquelas outras
previsões poderiam ser mais apropriadas para aquele momento' , afirmou o
ex-ministro.
Mandetta foi questionado pelo relator, senador Renan Calheiros
(MDB-AL), sobre a defesa que Bolsonaro faz do chamado "isolamento
vertical", no qual apenas idosos e pessoas com comorbidades.
O ex-ministro disse que "era constrangedor" ficar explicando sua divergência com Bolsonaro sobre distanciamento social.
"Era constrangedor para o ministro da Saúde ficar explicando que estava
indo por um caminho e o presidente por outro", afirmou Mandetta.
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Outro tópico do questionamento do relator foi a defesa de Bolsonaro
sobre o uso da cloroquina. Mandetta disse que o presidente queria que a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mudasse a bula da
cloroquina para incluir que o remédio pode ser usado no combate à Covid,
o que não tem respaldo científico.
“Eu estive dentro do Palácio do Planalto quando fui informado, após uma
reunião, que era para eu subir para o terceiro andar porque tinha lá
uma reunião com vários ministros e médicos que iam propor esse negócio
de cloroquina, que eu nunca tinha conhecido. Quer dizer, ele tinha esse
assessoramento paralelo. Nesse dia, havia sobre a mesa, por exemplo, um
papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido
daquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando
na bula a indicação da cloroquina para coronavírus. E foi inclusive o
próprio presidente da Anvisa, [Antônio] Barra Torres que disse não”,
afirmou Mandetta.
O ex-ministro disse ainda que era recorrente a posição de Bolsonaro de
defender a cloroquina e o chamado "tratamento precoce", medidas
ineficazes contra a doença, mas alardeadas pelo presidente como fontes
de cura.
Aconselhamento de fora
Mandetta afirmou que Bolsonaro "provavelmente" tinha uma outra fonte de
aconselhamento sobre a pandemia que não era o Ministério da Saúde.
“Lembro de o presidente sempre questionar a questão ligada à cloroquina
como a válvula de tratamento precoce, embora sem evidência científica.
Eu me lembro de o presidente algumas vezes falar que ele adotaria o
chamado confinamento vertical, que era também algo que a gente não
recomendava. Eu acho que ele tinha uma outra — provavelmente, eu não
saberia lhe dizer —, mas provavelmente uma outra fonte que dava para
ele.
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O ministro disse que viu diversas vezes o vereador Carlos Bolsonaro
(Republicano-RJ) participando e fazendo anotações em reuniões
ministeriais:
“Eu testemunhei várias vezes reuniões de ministros em que o filho do
presidente que é vereador do Rio de Janeiro estava sentado atrás tomando
as notas da reunião. Eles tinham constantemente reuniões com esses
grupos dentro da Presidência.”
Falta de 'unidade' e de 'fala única'
O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), fez uma
série de perguntas em sequência a Mandetta. Algumas delas foram: "Na
sua avaliação, a postura e as ações do presidente da República contra o
isolamento social tiveram impacto no agravamento da pandemia e no
aumento do número de mortes? A tragédia brasileira poderia ter sido
evitada? O Brasil tinha condições de enfrentar de forma melhor esta
pandemia?"
Na resposta, Mandetta disse que faltou ao país ter uma "unidade" no
combate à pandemia e uma "fala única" na condução da crise.
"Se a postura trouxe impacto? Sim. Você não pode, em tempos de epidemia,
você tem que ter a unidade, você tem que ter a fala única. O raciocínio
não é individual, esse vírus ataca a sociedade como um todo, ele ataca
educação, cultura, esporte, lazer. Ele ataca tudo. Economia, emprego,
microempresas. Ele ataca o sistema de saúde a ponto de derrubá-lo e aí
sim o sistema de saúde não pode atender quem tem apendicite", afirmou o
ex-ministro.
Para Mandetta, as falas contrárias à ciência criaram divisões dentro do
país e, com isso, parte da população achou que poderia desobedecer
medidas de prenveção.
"Então você tem, sim, esse impacto, porque houve uma ruptura, a
medicina ficou completamente dividida. O conselho, de uma maneira, não
consegue se pronunciar, as pessoas começaram a ver: 'Sim, eu posso fazer
isso, eu sou leal, eu faço dessa maneira'. A tragédia, sim. O Brasil
podia mais, o SUS podia mais, a gente poderia mais. Poderíamos estar
vacinando mais, desde novembro do ano passado”, disse o ex-ministro.
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Mandetta disse também que o governo não quis fazer uma campanha
nacional de comunicação contra a Covid. O ministro disse que, por isso,
dava entrevistas diárias para atualizar a população sobre o avanço da
pandemia.
"Aquelas entrevistas, elas só existiam porque não havia... O normal,
quando você tem uma doença infecciosa, é você ter uma campanha
institucional, como foi, por exemplo, a Aids. Havia uma campanha onde se
falava sobre a Aids, como pega, e orientava as pessoas a usarem
preservativo. Era difícil para a sociedade brasileira fazer, mas havia
uma campanha oficial. Não havia como fazer uma campanha [contra a
Covid], não queriam fazer uma campanha oficial”, afirmou.
Testagem
O ex-ministro também foi questionado sobre a política de testagens no
país. Mandetta disse que o ministério tinha um rumo claro sobre a
necessidade de testagem em massa, baseado na ciência, que foi abandonado
após a sua saída da pasta.
“Eu acho que nós tivemos em um determinado momento um caminho traçado
pelo Ministério da Saúde para testagem, para utilização da atenção
primária [...] Nós tínhamos um caminho, nós sabíamos para onde nós
iríamos. Nós tínhamos claramente que nós iríamos testar, bloquear ao
máximo possível os contágios, identificá-los. E nós iríamos tratar, via
atenção primária, e ampliar a nossa rede de atendimento hospitalar. Isso
era a maneira como nós focávamos. Nós não tomamos nenhuma medida que
não tenha sido pela ciência, e a ciência é essa, é isso que recomendava.
Agora, a posteriori, nós vimos pararem muitas coisas e não colocarem
outras no lugar. A testagem é uma delas”, disse Mandetta.
Gestão baseada na ciência
Mandetta também disse que sua gestão na pandemia procurava se basear em
três pontos principais: defesa da vida, fortalecimento da atuação do
SUS e valorização da ciência.
"O que só me resta dizer que a tomada de decisão foi em cima de três
pilares: a defesa intransigente da vida, que foi o princípio número um,
não haveria nenhuma vida que não fosse valorizada; o SUS, como meio para
atingir; e a ciência, como elemento de decisão. Esses foram os três
pilares sob os quais nós construímos o eixo de prevenção, de atenção, de
testagem, de hospitalização e de monitoramento da doença", afirmou o
ex-ministro.
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O depoimento de Mandetta estava marcado para começar às 10h. O atraso
de pouco mais de uma hora ocorreu porque, na abertura da sessão,
senadores governistas da CPI reivindicaram aprovação de pedidos para
chamar à comissão autoridades ligadas aos governos estaduais.
Uma das estratégias da oposição é envolver governadores nas investigações da CPI, para tirar o foco do governo federal.
O presidente da CPI, senador Omaz Aziz (PSD-AM), e o vice-presidente da
CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) reforçaram aos colegas
oposicionistas que o repasse de verbas para estados será alvo da CPI.
Aziz e Randolfe disseram que essa questão já está esclarecida e que os
oposicionistas estão tentando tumultuar os trabalhos da comissão.
"Ô tropa de choque atrapalhada. Vão para o STF [Supremo Tribunal
Federal] para tentar obstruir toda vez, parece que tem uma coisa pessoal
contra o relator, toda vez, tem uma paixão pelo relator, homem. Toda
vez ficam querendo questionar os trabalhos do relator. Está no plano de
trabalho aqui: emprego de recursos federais. Só era ler, homem. Só era
se dar ao trabalho de ler o plano de trabalho. Minha questão de ordem é
para gente trabalhar", afirmou Randolfe, em meio ao debate no início da
sessão.
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