domingo, 28 de setembro de 2014

Escolas ressuscitam, sem viés autoritário, parte do conteúdo de Educação Moral e Cívica e OSPB



By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: Leonardo Vieira (O Globo) Imagem: Custódio Coimbra (Agência O Globo)


Alunos se enfileiram em posição de sentido, com a mão direita sobre o peito. Ao primeiro toque da banda, hasteia-se lentamente a bandeira nacional. O “ouviram do Ipiranga” é uníssono — a rebuscada letra parnasiana fora distribuída antes a todas as crianças. A cena não descreve o cotidiano de um quartel contemporâneo — ou de uma escola da época do regime militar. Trata-se do Colégio Sarah Dawsey, no Leblon, Zona Sul do Rio. Antes da cerimônia, um docente explicava o simbolismo dos bastiões nacionais.
— Crianças, atenção, cantar o hino é resgatar a importância de ser brasileiro, e não só em Copa do Mundo. É um dos poucos hinos do mundo que exaltam a glória nacional através da pacificação. Saber o que ele significa é dar o pontapé inicial para ser bom cidadão — dizia o professor de História, José Nazareth Neto Alvernaz.
Desde que as disciplinas de Educação Moral e Cívica (EMC) e Organização Social e Política Brasileira (OSPB) foram oficialmente extintas, em meados dos anos 1990, temas como cidadania, ética e patriotismo entraram numa espécie de “limbo” nos currículos, ficando a cargo de cada unidade estabelecer como (e se) serão tratados. A uma semana das eleições, a pauta não fica fora das salas de aula. Nem da cabeça de muitos políticos, que tentam ressuscitar oficialmente as duas disciplinas.
Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que as eleições de 2014 terão a menor participação de jovens da História. Se, em 2010, havia 2,39 milhões de eleitores de 16 e 17 anos, parcela em que o voto é facultativo, este será 1,63 milhão, queda de quase 32%. Até que ponto a inserção de conteúdos “cívicos” nos colégios pode ajudar a criar nos jovens mais interesse e respeito pelo sistema político tradicional?
Para José Fernandes de Lima, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão vinculado ao MEC, valores cívicos devem ser transmitidos em aulas de História, Geografia e Sociologia, de maneira transdisciplinar:
— Se quiséssemos definir exatamente o que o professor deveria ensinar, e como ele faria isso, estaríamos atrapalhando. Mas a orientação é que todas as escolas tratem isso de forma transversal. Não é preciso uma matéria apenas para falar sobre cidadania ou ética.
De acordo com a mestre em Educação Vanessa Kern, autora de dissertação sobre as duas disciplinas da ditadura militar, os valores cívicos daquele período deveriam assumir, no regime democrático, caráter mais aberto:
—Na democracia, os valores morais não devem estar ligados diretamente a uma orientação específica. Antes, devem possuir uma orientação voltada para a formação humana, ética. Devem exaltar uma postura crítica, reflexiva.
HINO NACIONAL DECIFRADO
Com a autonomia pedagógica conferida pelo MEC, escolas preenchem ao seu modo o “vácuo” deixado pela OSPB e a EMC. No Sarah Dawsey, alunos dos 4º e 5º anos do ensino fundamental cantam o hino nacional toda segunda-feira. Tanto a letra quanto o contexto histórico em que a música foi criada são explicados de forma que os alunos entendam o que cada palavra representa. A diretora Cláudia Lagemann contou que faz parte do projeto pedagógico o desenvolvimento da cidadania:
— Temos o hábito de cantar (o hino) há mais de 20 anos. Acho que todo brasileiro deve entendê-lo, assim como conhecer as armas da República, os símbolos. Isso desenvolve o espírito de respeito ao próximo, a postura.
Em ano de eleições, o colégio também aproveitou para simular como seria o processo eleitoral, com direito a campanhas políticas, título de eleitor e até ao voto em urnas eletrônicas. Alunos do 5º ano pesquisam as principais plataformas dos 11 candidatos a presidente da República e explicam de forma didática aos colegas que estão uma série abaixo. São esses últimos que formam o “colégio eleitoral” da escola. A “votação” foi na última segunda-feira.
— Um amigo meu me falou sobre o voto consciente, que ele é a arma do cidadão. Se votarmos errado, é o país que vai se dar mal — disse Renon Mauzell, de 10 anos, que afirmou preferir ainda cantar o hino apenas em dias festivos. — Quando é jogo do Brasil, eu gosto. Todos os jogadores deveriam saber cantá-lo, pois são eles que nos representam.
Sua colega Laura Neves, do 5º ano, afirmou que gostou tanto da experiência que, quando fizer 16 anos, vai tirar o título de eleitor:
— Achei interessante votar. É importante saber sobre o sistema, só assim a gente muda o país.
Na Tijuca, Zona Norte da cidade, o Colégio Marista São José criou há cerca de dois anos sua própria disciplina, a Ética Relacional e Urbanidade. Estudantes do 8º ano do ensino fundamental aprendem questões de convivência do dia a dia no espaço urbano e discutem melhorias para a cidade. O professor Luiz Henrique Corrêa, formado em Geografia, explicou que a matéria vale nota:
— Hoje o processo de ensino fornece elementos para que o aluno possa construir os valores que considera ideais. A ideia é não ficar amarrado a normas e padrões, mas ter seu próprio olhar sobre o mundo. É diferente do “certo e errado” positivista da época da ditadura militar.
PARTIDOS E CANDIDATOS
Também na Tijuca, o Colégio Mopi Tijuca promoveu simulação de eleição com os alunos das duas séries iniciais do ensino médio. Eles mesmos se dividiram em partidos e bolaram as candidaturas, num projeto chamado de “Política para não ser idiota”, nome inspirado num livro do filosófico ultraconservador Olavo de Carvalho.
Grupos de alunos ficaram responsáveis por montar agremiações políticas que simulam o atual espectro partidário do Brasil. Cada proposta teve de se alinhar à ideologia do partido, e seus impactos são debatidos entre “militantes” e os demais alunos do colégio.
Em agosto, a unidade sediou um debate entre quatro alunos presidenciáveis. No ano que vem, o grupo “eleito” fará a simulação de um governo, e todos os outros farão parte da “oposição”. Caberá aos alunos debater melhoras para a comunidade escolar, numa simulação do que ocorre na sociedade. A ação vai transcorrer durante todo o ano letivo.
MATÉRIAS TIVERAM FIM EM 1993
Criadas por decreto em 1969 pelo regime militar, a Educação Moral e Cívica (EMC) e a Organização Social e Política Brasileira (OSPB) tinham por “missão”, segundo historiadores, doutrinar o aluno, fomentando o nacionalismo e o ufanismo que, acreditava o regime, seria base de sustentação. A primeira, voltada aos alunos do antigo primário — atual ensino fundamental —, pregava valores de ética cristã, ressaltando costumes tradicionais da família brasileira. Já a OSPB, terror dos alunos do secundário — ensino médio —, cobrava conhecimentos políticos, históricos, geográficos e até jurídicos.
Com a volta da democracia, em meados dos anos 1980, as duas disciplinas perderam a razão de existir. Foram extintas em 1993. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) determinou que os currículos escolares deveriam ter uma base nacional comum, ressaltando “a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática”. No ano seguinte, o MEC, nos seus Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), condenou as disciplinas por terem sido impregnadas de um “caráter negativo de doutrinação”.
Mas parte da nossa sociedade, em clima de nostalgia, ainda sente saudade. É o caso do vereador Márcio Garcia (PR), do Rio, que, no ano passado, apresentou projeto de lei para trazer oficialmente de volta as duas matérias à rede municipal. Em São Paulo, o candidato a deputado estadual Mauricio Miyazaki (PSB) tem a mesma bandeira. Na Câmara, o deputado José Antônio Reguffe (PDT-DF) propôs em 2011 a criação da disciplina “Cidadania”, que seria obrigatória no ensino médio.


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