By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: G1 – Imagem: Divulgação
O sistema judiciário brasileiro sofrerá, no dia a dia, grande impacto da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que nesta terça-feira (23) declarou o ex-juiz federal Sergio Moro parcial na condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pelo G1.
De acordo com eles, o cenário que se desenha será marcado por maior
preocupação por parte de juízes, promotores e procuradores tanto com
relação à forma como conduzem os processos quanto com relação ao trato
dispensado a acusados e réus.
Com a decisão desta terça, que teve placar de 3 a 2, a Segunda Turma do
STF anulou todo o processo do triplex, que precisará ser retomado da
estaca zero pelos investigadores. As provas já colhidas serão anuladas e
não poderão ser usadas em um eventual novo julgamento.
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Outro fator de impacto, avaliam juristas, refere-se à expressão que a Operação Lava Jato
teve no combate à corrupção no Brasil. A previsão é que haverá, a
partir de agora, maior cautela por parte da acusação e por parte de
magistrados na análise de casos concretos, com o objetivo de evitar
futura anulação por suposta tendência de apoio a um dos lados.
Além disso, a sentença que condenou Lula segue anulada por outra decisão, determinada pelo ministro do STF Edson Fachin.
Ele apontou a incompetência da Justiça Federal do Paraná para analisar
os processos do petista e tornou sem efeito as condenações pela Lava
Jato de Curitiba.
A maioria dos juristas ouvidos pelo G1 entende que a anulação de quatro processos de Lula por Fachin – e a consequente remessa dos processos para o Distrito Federal,
onde serão analisados e julgados novamente – apenas refletiu decisões
reiteradas do STF e o modo como a Corte já pensa há alguns anos.
Para Fachin, que foi vencido no julgamento desta terça, a decisão
poderá levar à anulação de todas as sentenças proferidas por Moro na
Lava Jato.
Abaixo, veja respostas para três perguntas centrais sobre o caso:
- Qual o impacto da decisão do STF sobre a suspeição de Moro nos processos contra Lula?
- A decisão terá impacto em outros casos da Lava jato?
- A decisão de Fachin também terá repercussão em outros processos?
1. Qual o impacto da decisão do STF sobre a suspeição de Moro nos processo contra Lula?
Na decisão unilateral de Fachin de 8 de março, que ainda será reavaliada pelo plenário do STF, o entendimento foi o seguinte: quem não tinha competência para analisar os processos contra Lula era a vara de Curitiba, que tinha Moro à frente – e não propriamente o ex-juiz.
Fachin citou precedentes do STF de que a 13ª Vara Federal, de Curitiba,
só podia julgar casos da Lava Jato referentes a crimes cometidos contra
a Petrobras. Eventuais outros crimes descobertos durante as
investigações – como aqueles dos Lula é acusado e que não são referentes
à estatal – deveriam ser redistribuídos por sorteio para outras varas.
Vara é a unidade judiciária que julga processos.
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Isso significa que Moro não tinha imparcialidade suficiente para
analisar processos contra Lula sem fazer pré-julgamentos e que todos os
atos realizados pelo ex-juiz são nulos e inexistentes, devendo ser
refeitos.
Fachin tinha anulado apenas quatro processos contra Lula – referentes
ao sítio em Atibaia, ao triplex no Garujá e a duas situações envolvendo o
Instituto Lula. Agora, porém, com a suspeição de Moro, qualquer outro
processo ou ato do ex-juiz pode ser considerado ilegal e nulo em outros
processos contra Lula.
A decisão da 2ª Turma resultou do julgamento pela turma de uma ação
impetrada em 2018 pela defesa de Lula. A maioria a favor da ação do
ex-presidente foi formada com a mudança de voto da ministra Cármen Lúcia. Em 2018, quando o julgamento se iniciou, ela tinha rejeitado a ação, mas agora seguiu o entendimento dos colegas Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
A suspeição não é automática para outros processos de Lula — a defesa
terá, por exemplo, que questionar os outros casos na Justiça. Moro não
foi o autor da condenação de Lula no caso do sítio de Atibaia, mas
recebeu a denúncia e transformou o petista em réu nesse caso.
Criminalistas ouvidos pelo G1 apontam que deve haver
repercussão em todo o país na forma como os magistrados atuam nos casos
concretos e na relação deles com promotores ou procuradores, evitando
pré-julgamentos antecipados que possam anular mais casos.
"A suspeição de Moro, neste caso, se aplica apenas ao Lula. A acusação é
a seguinte: o juiz [Moro] queria deliberadamente prejudicar o Lula. É
isso que o STF estava analisando, se essa acusação é correta, verdadeira
ou não, ou se era só um argumento da defesa, e o juiz é imparcial e não
tem nada de errado. A decisão serve só para o Lula”, afirma Alberto
Rollo, professor de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
2. A decisão terá impacto em outros casos da Lava Jato?
Diretamente, não,
já que o pedido de suspeição foi feito pela defesa de Lula e valerá, de
início, só para o ex-presidente – e não, de modo automático, para
outros réus da Lava Jato. Mas, indiretamente, a suspeição de Moro pode, sim, afetar outros processos.
Isso porque a decisão da 2ª Turma terá impacto em todo o sistema
jurídico brasileiro e pode afetar outros processos da Lava Jato, no
entendimento de especialistas ouvidos pelo G1.
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É o que pensa, por exemplo, o professor e mestre em direito Penal
Conrado Gontijo, que vê uma repercussão além na Lava Jato – e isso
excederia os processos contra Lula.
"Me parece que essa decisão é, sim, de enorme importância para o caso
concreto do ex-presidente Lula, mas também para o sistema de justiça
brasileiro de uma maneira mais abrangente", diz Gontijo.
"O próprio ministro [do STF] Gilmar Mendes já falou, várias vezes, que
as mensagens divulgadas sobre conversas entre procuradores da República e
o juiz – essa relação promíscua e ilegal entre o Moro e a força-tarefa
da Lava Jato – seria um dos maiores escândalos mundiais e da história
judiciária brasileira, com certeza a maior."
Gontijo continua: "Reconhecida a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, é
fundamental que os atos por ele praticados sejam declarados nulos,
imprestáveis, porque a principal característica que um juiz precisa ter é
tratar as partes de forma equidistante. É uma decisão que revela o
nível de absurdo que a Lava Jato conduziu".
Assim, o STF deve dizer como ficam os casos contra Lula julgados por Moro e quais serão os próximos passos.
O mestre em direito penal Celso Vilardi concorda com Gontijo com
relação à impacto jurídico da decisão do STF, mas discorda quanto ao
eventual benefício a outros réus. Ele acredita que o benefício será
"indireto".
"Pode gerar alguma outra outra anulação [de outros processos de outros
réus], a depender dos diálogos, das mensagens [divulgadas pelos
crackers] das conversas do ex-juiz. Mas serão casos pontuais que terão
que ser reanalisados pelo STF em outros momentos", diz Vilardi.
3. A decisão de Fachin também terá repercussão em outros processos?
Juristas ouvidos pelo G1
divergem sobre o impacto que a Lava Jato sofrerá após a decisão de
Fachin ao anular quatro processos contra o ex-presidente Lula.
Alguns entendem que, agora, haverá uma avalanche de recursos e reclamações para casos semelhantes.
Outros avaliam, no entanto, que o ministro só aplicou uma
jurisprudência (decisões reiteradas) que já vinha sido admitida pelo STF
desde 2015. Por isso, a anulação dos casos de Lula é apenas
consequência esperada –sendo que muitos réus da Lava Jato haviam
anteriormente obtido o mesmo resultado, com reenvio de processos da
operação para Brasília, Bahia e outros estados.
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“A decisão do Fachin pode impactar outros casos da Lava Jato, sim. E
isso já vem sendo dito nos últimos anos. O Fachin listou uma série de
precedentes. Ele não pariu essa criança. Apenas se rendeu ao
entendimento de casos precedentes do Ministério do Planejamento, Abreu e
Lima, MDB e Transpetro”, diz Davi Tangerino, professor na Escola de
Direito de São Paulo – FGV.
Professor da mesma instituição, Rubens Glezer afirma: "A decisão do
Fachin dá um fôlego novo para todos os réus que já alegavam que não
havia uma demonstração clara de que estava sendo acusados de uma conduta
conectada com os desvios da Petrobras”.
A advogada criminalista Jacqueline Vallas, professora de direito Penal e
de Processo Penal avalia que "o ministro Fachin foi curto ao dizer que a
13ª Vara é competente para julgar crimes relacionados à Petrobras".
"Fora desse assunto, não há competência natural da vara. Cada um que se
sentir prejudicado por incompetência desse juízo pode pedir a extensão
da decisão aos demais."
Já o doutor e mestre em direito penal Conrado Gontijo discorda dos
colegas. Ele entende que a anulação dos processos de Lula feita por
Fachin só valerá para o ex-presidente.
"Em relação à decisão do ministro Fachin, não me parece que ela traga
impactos imediatos a qualquer outro caso da operação Lava Jato, ele só
aplicou aos casos de Lula uma orientação sedimentada já no STF de que a
competência da 13ª Vara de Curitiba para apuração de fatos relacionados à
Lava Jato é restrita a eventos de desvios nos casos a Petrobras seja
vítima, vinculação que não aparece de forma direta nesses casos", diz
Gontijo.
Mestre em direito Penal, o criminalista Celso Vilardi, advogado de
vários réus de operações da PF, inclusive na Lava Jato, concorda com
Gontijo.
Para Vilardi, como o STF já vem aplicando esse entendimento há algum
tempo, "todos outros réus que tinham que pedir deslocamento de
competência de processos que não tinham relação com a Petrobras, já
fizeram isso".
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