By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: TERRA – Imagem: Agência Brasil
"Antidemocrática", "incorreta" e seguindo por um "mau caminho" foram
algumas das expressões usadas para descrevê-la. Cunha foi preso na
quarta-feira, após decisão do juiz federal Sérgio Moro, que atendeu
pedido do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba.
Para professores de Direito consultados pela BBC Brasil, o despacho de
Moro não traz argumentos suficientes para justificar a prisão e se
baseia em fatos antigos. Além disso, abriria precedentes perigosos,
colocando a prisão como regra, e não exceção.
Detalhada no Código de Processo Penal, a prisão preventiva pode ser
decretada quando há indícios suficientes de autoria do crime, além de
riscos à aplicação da lei, ao andamento do processo e para garantir a
ordem pública ou econômica.
Em suma, é usada para evitar que o réu fuja, atrapalhe o trabalho da Justiça ou continue a praticar crimes.
Em sua decisão, Moro cita as tentativas de Cunha de intimidar
testemunhas na CPI da Petrobras, em 2015, e de impedir reuniões do
Conselho de Ética da Câmara, quando este analisava representações contra
o peemedebista.
O juiz transcreve partes das justificativas citadas pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) ao afastar Cunha da Presidência da Câmara em maio
deste ano, e argumenta que ele teria agido para obstruir investigações a
seu respeito.
Moro disse considerar que a cassação do mandato de Cunha não é suficiente para impedir que cometa crimes.
"Considerando o histórico de conduta e o modus operandi, remanescem
riscos de que, em liberdade, possa o acusado Eduardo Cunha, diretamente
ou por terceiros, praticar novos atos de obstrução da Justiça, colocando
em risco a investigação, a instrução e a própria definição, através do
devido processo", escreve o juiz.
Para a maioria dos juristas consultados pela reportagem, o texto de
Moro se baseia no "risco abstrato" trazido por Cunha, ou seja, na
possibilidade de que ele tente fugir, venha a interferir na análise das
ações penais ou cometa outros delitos.
No entanto, dizem, não há indícios novos hoje que comprovem esses
riscos. Eles ressaltam que suas opiniões estão fundamentadas na despacho
da prisão, e não nas demais informações do processo, que corre em
sigilo.
"Parece-me especulação. Está muito na base de atos pretéritos
(passados), que já estão sedimentados. Ter recursos no exterior e dupla
nacionalidade (como cita o MPF) não são argumentos suficientes para
indicar uma possibilidade de fuga, por exemplo", diz o professor de
Processo Penal da PUC-SP Claudio Pereira.
Ele afirma que uma figura conhecida como Cunha não poderia desaparecer
de forma fácil e que existem alternativas de controle da liberdade, como
usar uma tornozeleira eletrônica ou impedir o contato do réu com
determinadas pessoas.
Segundo Pereira, para explicar uma prisão agora seriam necessárias
provas recentes de que o ex-deputado continua agindo dessa forma: o
registro do encontro com alguém, um depoimento de testemunha ou novas
movimentações financeiras na Suíça.
"Não dá para justificar medida judicial dessa forma, é antidemocrático.
Encarcerar todas essas figuras públicas parece mais um apelo midiático
ou político do que uma necessidade jurídica."
O professor de Direito da FGV Oscar Vilhena afirma que, caso a decisão
de Moro tenha se baseado apenas no "risco abstrato", ela foi por um "mau
caminho".
"A legislação não permite você prender alguém por risco em abstrato. É
sabido que ele é um mau elemento, então vou prendê-lo. Não é assim, é
necessário comprovar que ele praticou um ato concreto."
No despacho, Moro escreve que "o ex-parlamentar é tido por alguns como
alguém que se vale, com frequência, de métodos de intimidação".
De acordo com Vilhena, há "claros indícios" de que Cunha seja autor de
uma série de delitos, primeiro pressuposto da prisão preventiva, mas os
outros itens dependem da continuidade das ações de interferência.
"Tudo isso estava presente quando o STF decidiu afastá-lo da Câmara.
Para quem não tem acesso ao processo, é difícil saber se isso perdura ou
não: há indícios de que ele ainda ameaça testemunhas?", questiona.
Precedentes negativos
Uma decisão como a que motivou a prisão de Cunha abre precedentes
negativos para a Justiça brasileira, diz o professor da FGV e
coordenador do site Supremo em Pauta, Rubens Glezer.
Ele argumenta que a prisão preventiva deve ser exceção, o último
recurso para garantir o andamento do processo, e não a regra - como,
para ele, parece ter se tornado o padrão na Operação Lava Jato.
Para Glezer, o despacho de Moro não preenche os requisitos clássicos
para a prisão, descritos no Código de Processo Penal, mas é compatível
com os critérios usados na Lava Jato.
"É muito parecido com o despacho usado para o (Antonio) Palocci (preso
em 26 de setembro). Mas se você for numa aula de Processo Penal e
mostrar esse texto, vão dizer: isso não pode. Na excepcionalidade da
operação, esses argumentos estão sendo aceitos"
Como Moro é hoje exemplo de juiz correto no Brasil, argumenta Glezer,
suas decisões têm efeito sobre seus colegas, que podem querer usar os
mesmos parâmetros no dia a dia. A lógica, portanto, deixaria de ser
"inocente até que se prove o contrário" e passaria para "na dúvida,
prende".
Segundo o professor, tal raciocínio prejudicaria principalmente os mais pobres, maioria da população carcerária no Brasil.
"Talvez esse não seja o recado que Moro queira dar, mas é o que a
comunidade jurídica recebe. O problema talvez não seja tanto o juiz, mas
o contexto dessa comunidade, que já é punitivista."
Elogio e atuação do STF
Por outro lado, o professor de Direito Penal da PUC-SP Antônio Carlos
da Ponte diz que a decisão "merece aplauso" e elogia a "interpretação
correta e serena da lei".
Ponte considera que não são necessários fatos novos, porque Moro
trabalha com uma preocupação concreta. Além disso, afirma, os supostos
esquemas nos quais o ex-parlamentar se envolveu são dinâmicos e ganham
detalhes todos os dias.
"O processo se desenrola de forma dinâmica e não estática. Os velhos
esquemas geram elementos novos. A crítica lançada tem uma premissa
equivocada, como se o fato não tivesse sofrido qualquer tipo de
alteração. A conta na Suíça, por exemplo, não foi desativada."
Antes de ir para Curitiba, os processos contra Cunha se concentravam no
Supremo Tribunal Federal. Depois de ter o mandato cassado pela Câmara
dos Deputados, em setembro, ele perdeu o foro privilegiado e as ações
penais foram enviadas à primeira instância judicial.
Quando o STF ainda cuidava do caso de Cunha, a Procuradoria Geral da
República fez um pedido de prisão preventiva do então deputado. O
Supremo, no entanto, não respondeu ao pedido.
Em sua decisão, Moro faz menção ao caso e diz que, como o peemedebista
ainda era parlamentar, a Constituição não permitia que ele fosse preso
preventivamente, a não ser em caso de flagrante de crime inafiançável.
Como o flagrante não ocorreu, o réu permaneceu em liberdade.
Para Antônio Carlos da Ponte, a atuação do STF e de Moro seguiram a lei
à risca. Ele explica que o artigo da Constituição em questão visa
proteger a formação do Congresso.
"A partir do momento que ele (Cunha) perde o foro privilegiado, boa parte das amarras cai por terra e permite a prisão."
No entanto, a opinião de Ponte não é consenso.
Rubens Glezer diz que, se quisesse, o Supremo, ao analisar o pedido
anterior de prisão contra Cunha. poderia ter mudado essa interpretação
da Constituição, como fez no caso do senador Delcídio do Amaral, preso
em novembro de 2015.
Por unanimidade, os cinco ministros da Segunda Turma do STF - Teori
Zavascki, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli -
entenderam na ocasião que Delcídio se enquadrava na situação de
flagrante, por supostamente integrar organização criminosa, considerado
um crime de prática permanente pela Justiça. Crimes permanentes são
aqueles que continuam ocorrendo, que não são instantâneos.
"O crime de lavagem de dinheiro, pelo qual Cunha é acusado, é
inafiançável e pode ser considerado permanente. Aí configuraria o
flagrante, como aconteceu com Delcídio", diz Glezer.
O professor considera que, ao citar e justificar a decisão do STF, Moro
procurou não entrar em conflito com a Corte. Ele avalia, entretanto,
que uma eventual pressão sobre a Corte envolvendo o caso de Cunha poderá
ser inevitável.
"Haverá muito pressão, se o (eventual pedido de) habeas corpus (de
Cunha) chegar até lá, para que o Supremo não reverta a decisão." MATÉRIAS RELACIOANDAS:
Patrimônio de esposa de Cunha cresceu 150% em seis anos, aponta Receita Federal.
Temer e Cunha se reuniram secretamente no Palácio do Jaburu.
Por contas na Suíça, Cunha se torna réu no STF pela 2ª vez.
Justiça no Paraná bloqueia bens e quebra sigilo fiscal de Eduardo Cunha.
Cunha teria feito ameaças a Temer. 'Se cair, cairei atirando', diz jornal.
Por 11 a 9, Conselho de Ética aprova parecer pela cassação de Cunha.
PGR faz terceira denúncia contra Eduardo Cunha na Lava Jato.
Teori libera para julgamento no STF denúncia sobre contas de Cunha na Suíça.
Força-tarefa da Lava Jato propõe ação de improbidade contra Cunha.
Mulher de Cunha "lavou" mais de US$ 1 milhão em propina com sapatos e roupas.
Moro aceita denúncia e mulher de Cunha vira ré na Lava Jato.
Relator da CCJ dá parecer que pode evitar cassação de Cunha.
Cunha cita slogan de vodca a parlamentares: "hoje sou eu. Vocês, amanhã". Presidente da Câmara concede apartamento a Eduardo Cunha.
Cunha faz churrasco de confraternização na residência oficial.
Afastado, Cunha voa 13 vezes pela FAB a um custo estimado de R$ 569 mil.
Cunha envia carta a parlamentares para tentar se salvar de cassação.
Impeachment de Dilma atesta lisura de meus atos, diz Cunha.
Cunha diz em carta que já foi punido e que cassação destruirá a vida dele.
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