quinta-feira, 3 de março de 2022

Como imigrantes e descendentes consolidaram Prudentópolis como a Ucrânia brasileira

By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: G1/PR Imagem: Museu do Milênio
Prudentópolis ainda não tinha sido criada oficialmente quando as primeiras famílias de imigrantes da Ucrânia começaram a se instalar na região central do Paraná. Na bagagem: o sonho de uma vida melhor, longe da fome que assolava o leste europeu. O ano, segundo registros históricos disponíveis para consulta, era 1896.
Em uma terra sem nome, a “ucranização” do espaço era um caminho inevitável, como analisa o professor e doutor Anderson Prado, especialista em imigrações e conflitos do leste europeu, com estudos específicos, também, sobre Prudentópolis
“Eles [imigrantes] começam a se assentar, sobretudo, em 1896, quando 1.500 famílias vêm para essa região que pertencia a Guarapuava e anos depois veio a se tornar Prudentópolis. Foram cerca de 6.000 camponeses que se instalaram naquela região”.
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Contexto histórico
Para entender como a história dos ucranianos começou a ganhar força no Paraná, especialmente em Prudentópolis, é necessário entender o que se passava no Brasil e na Ucrânia no final do século 19.
De acordo com Prado, de um lado estavam os ucranianos, vindos de uma região histórico-geográfica chamada Galícia, e que tentavam fugir de um cenário de extrema miséria. 
O Brasil, por outro lado, se aproximava da transição de monarquia para república, quando se intensificaram as chamadas para famílias estrangeiras imigrarem para terras tupiniquins, a fim de impulsionar o desenvolvimento nacional.
Segundo o professor, há registros de ucranianos chegando ao Brasil em 1881, anos antes da colonização de Prudentópolis.
“Mas eles só chegaram em números maiores nos portos do Brasil, sobretudo no porto de Paranaguá, em 1894, 1895. E eles não vão diretamente para Prudentópolis. Ainda não era o foco. Primeiro eles descem para Paranaguá, depois vão para Curitiba”.
Depois da imigração, migração
O professor Prado explica que as famílias de camponeses da Ucrânia, com forte inclinação à agricultura, começaram a se espalhar pelo estado pouco após a chegada ao Brasil. Segundo ele, entre os locais escolhidos estavam União da Vitória, Cruz Machado e São Mateus do Sul – todos abrigam descendentes até hoje. 
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O professor detalha que, naquela época, um contingente maior de imigrantes se instalou em uma região próxima de Santa Catarina, mas ainda em terras paranaenses. Ali nasceu, em 1895, uma colônia chamada Antonio Olinto.
Os estudos de Prado indicam que, com o tempo, a colônia cresceu demais e grande parte das famílias migrou novamente, agora para a região central, chegando ao ponto onde futuramente seria Prudentópolis. Mas eles não estavam sozinhos. 
“[...] Juntamente com os nativos, é claro, porque essa região não era formada apenas por imigrantes ucranianos. Mas, sobretudo por eles, que já tinham se estabelecido em pontos do Paraná, e depois dessa saturação da colônia Antonio Olinto, eles chegam a Prudentópolis, ainda não emancipada”.
Poloneses, alemães e italianos também participaram do processo de colonização, mas em menor número. Especificamente quanto aos ucranianos, eles continuaram imigrando chegando em Prudentópolis, em menores quantidades de famílias, até meados de 1922.
Emancipação
A emancipação política de Prudentópolis se deu em 12 de agosto de 1906, exatamente 10 anos após a chegada dos primeiros imigrantes na região. 
A cidade começou a existir oficialmente, portanto, em um momento em que a cultura ucraniana tinha tido tempo suficiente para desenvolver as primeiras raízes em solo prudentopolitano, segundo o professor Prado.  
“Nós , que somos cientistas tomamos muito cuidado com comentários taxativos, mas é possível, sim, reconhecer a predominância da cultura ucraniana em Prudentópolis. E existiram conflitos para isso. Não apenas entre os ucranianos e os nativos, mas também entre os poloneses, que também tinham ido para a região. Em muito menor número, mas existiam”.
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A partir deste momento, Prudentópolis caminhava para ser a capital da Ucrânia em terras brasileiras. Os números atuais comprovam o mérito:
  • Dos cerca de 600 mil descendentes de ucranianos que vivem no Brasil, a maioria vive em Prudentópolis segundo a Representação Central Ucraniano-Brasileira.
  • Segundo dados da prefeitura, dos 52 mil habitantes, cerca de 39 mil são descendentes de ucranianos.
Religião como fio condutor
A religião, segundo o professor Prado, foi um “fio condutor” para que a cultura ucraniana prevalecesse e, até os dias de hoje, continue a se perpetuar em Prudentópolis. 
Não à toa, um levantamento da prefeitura mostra que das mais de 100 igrejas da cidade, pelo menos 50 são do rito bizantino ucraniano, o que rendeu a Prudentópolis o título, reconhecido por lei estadual, de Capital da Oração.  
“A religião foi o fio condutor para dar homogeneidade para a comunidade. Vieram padres para cá, fundaram paróquias, juntamente com as paróquias, vão fundar escolas [...] e os padres se tornam quase prefeitos dessas comunidades. Eles que vão conduzir, eles que vão arranjar os casamentos, eles que determinam. E sempre é interessante pensar que os ritos religiosos remetem a pátria-mãe. Sempre a Ucrânia. O sentimento de que ‘estou aqui, mas pertenço à outra nação’”.
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Sem guerras, mas com conflitos
Prado explica que as fronteiras da Ucrânia sempre foram alvo de muitas tensões, chegando a um dos ápices na semana passada com a invasão do país por tropas russas. 
No período pré-imigração para o Brasil, segundo Prado, a Ucrânia não vivia um cenário de guerra, mas registrava muitos conflitos com países fronteiriços.  
“Ninguém migra quando as coisas estão bem. A Rússia tinha abolido a servidão em 1861. Se nós voltarmos para aquele momento de imigração, 30 anos atrás, existiam pessoas donas de pessoas. Existiam servos ainda. Então, existia um contexto de muita carência no leste europeu [...] Naquele momento não existia guerra, o que existia eram conflitos. A Ucrânia sempre teve suas fronteiras assediadas. Ora pela Polônia, ora pela Rússia, depois pelos austro-húngaros, depois novamente pela Rússia”.
Manutenção da cultura
Enquanto o professor Prado fazia a tese de doutorado, ele se mudou para Prudentópolis, onde viveu por cinco anos acompanhando de perto a rotina dos descendentes, hoje responsáveis por manter a cultura viva na região central do Paraná. 
Prado afirma haver um esforço muito grande para que os costumes sejam transmitidos entre gerações. Um dos fatores que contribuem para essa tradição é o forte vínculo que os descendentes continuam tendo com a Ucrânia – Prudentópolis é, inclusive, cidade-irmã de Ternopil, no oeste do país europeu.  
A culinária e a cultura também são armas nesta luta diária para a manutenção da cultura, além do idioma ucraniano, que inclusive é, por lei municipal, reconhecido como segunda língua no município. Estima-se que 70% da população fale ucraniano. 
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“Eles têm uma manutenção das suas práticas culturais muito grande, através dos ritos, do idioma, e a culinária. Em Prudentópolis, vocês não precisam ir a um lugar específico para comer uma culinária típica. Não. Em qualquer lugar que você for, vai ter uma culinária específica. Ou seja, eles não só representam, mas eles vivem essa identidade. Esse é um fator determinante para que hoje eles se mostrem como, realmente, aqueles que representam a Ucrânia fora da Europa”.
Além de manterem viva a cultura do país do leste europeu, os prudentopolitanos acompanham de longe o conflito, que virou tema de estudos nas escolas da cidade e será mais um capítulo da história, também, dos descendentes ucranianos do Paraná.
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