terça-feira, 23 de julho de 2019

A longa batalha dos médicos para separar irmãs siamesas ligadas pela cabeça


By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: BBC BRASIL Imagem: Divulgação

Há uma multidão na sala de cirurgia. Mas a equipe de quase 20 pessoas trabalha como se fosse uma só. Movem-se tranquilamente. Cada gesto é calculado. Não há sinais de estresse ou tensão, apenas mãos executando tarefas metodicamente.
Esta não é uma operação de rotina. As duas meninas encobertas por panos sobre a mesa de cirurgia são Safa e Marwa, irmãs siamesas unidas pela cabeça. Seus cérebros estão expostos enquanto os cirurgiões tentam separar um emaranhado de vasos sanguíneos compartilhados.
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Mas então a calma na sala desaparece quando os anestesistas dão o alerta. O sangue do cérebro de Safa não está sendo drenado corretamente e está sendo enviado para o corpo de sua irmã, o que coloca pressão no coração de Marwa e a deixa perigosamente instável.
Os anestesistas dão comandos, informam os sinais vitais e tentam estabilizar as meninas. "Acho que precisamos desfibrilar", diz um deles.
Eletrodos são colocados no peito de Marwa em preparação. O cirurgião principal levanta ambas as mãos para que elas possam ser vistas claramente e recua. Então todo mundo espera. Se eles perderem Marwa, também podem perder Safa.
O nascimento
Zainab Bibi já havia dado à luz sete filhos - todos em casa, em Charsadda, no Paquistão. Quando engravidou das gêmeas, o plano era fazer a mesma coisa. Mas, depois que um exame de ultrassonografia detectou uma complicação, ela foi aconselhada a parir no hospital.
Foi um momento difícil para a família. Dois meses antes do nascimento das meninas, o marido de Zainab havia morrido de ataque cardíaco.
Ela também foi informada pela equipe da maternidade que os corpos das gêmeas poderiam estar unidos. Mas não houve menção de onde a junção poderia estar. Ninguém, ao que parece, percebeu a extensão das complicações que estavam por vir.
No dia 7 de janeiro de 2017, as gêmeas nasceram por cesariana no hospital Hayatabad, em Peshawar, a 50 km de sua casa no norte do Paquistão. A família foi informada de que as meninas eram saudáveis.
Mas Zainab não foi ao encontro das recém-nascidas imediatamente, porque precisava se recuperar da cirurgia. Foi o avô das gêmeas, Mohammad Sadat Hussain, quem descobriu tudo primeiro. As meninas eram gêmeas craniópagas, o que significa que elas estavam unidas na cabeça. É a forma mais rara de uma condição que já é rara.
O avô chegou à maternidade carregando os tradicionais doces dados de presente para as enfermeiras. Ainda em luto pela perda de seu filho, conhecer suas netas foi um momento agridoce. "Fiquei feliz em vê-las, mas fiquei pensando o que vou fazer com elas por terem suas cabeças unidas?"
Foram necessários cinco dias para que Zainab estivesse bem o suficiente para ser apresentada às filhas. Ela recebeu uma foto das gêmeas para prepará-la.
Zanaib diz que se apaixonou por elas instantaneamente. "Eles eram muito bonitas. Tinham cabelos bonitos e pele branca. Eu nem sequer pensei no fato de que elas estavam unidas. Elas foram um presente de Deus."
As meninas foram chamadas de Safa e Marwa, os nomes das colinas gêmeas em Meca, na Arábia Saudita, que desempenham um papel central na peregrinação anual islâmica do Hajj.
Depois de um mês, as gêmeas receberam alta e a família concordou que, se fosse possível separá-las, isso deveria ser feito. Um hospital militar se ofereceu para realizar a cirurgia, mas alertou que uma das gêmeas provavelmente morreria. É um risco que sua mãe não estava disposta a aceitar.
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Outras opções foram exploradas, e, quando as gêmeas tinham três meses de idade, a família foi colocada em contato com Owase Jeelani, neurocirurgião pediátrico de um dos principais hospitais infantis do mundo, o Great Ormond Street Hospital, em Londres, no Reino Unido. Por coincidência, ele nasceu na região da Caxemira, ao norte do Paquistão e da Índia, e imediatamente criou uma conexão com a família.
Depois de ver exames das meninas, o cirurgião ficou convencido de que elas podiam ser separadas com segurança, mas queria fazer isso antes de elas completarem um ano de vida, para obter o melhor resultado possível. O tempo estava correndo contra Marwa e Safa.
Em agosto de 2018, os vistos para o Reino Unido já haviam chegado, mas o financiamento para a cirurgia não. O procedimento não seria financiado pelo sistema de saúde pública do Reino Unido, e o neurocirurgião havia levantado apenas uma pequena parte do dinheiro necessário para pagar pelos cuidados hospitalares.
As meninas estavam com 19 meses, muito além da idade desejada pela equipe do hospital. Qualquer atraso adicional poderia significar que a separação se tornaria mais perigosa e a recuperação, comprometida.
Jeelani pediu à família para que viesse imediatamente à Inglaterra. Ele se lembra do momento em que chegaram: "As crianças estavam aqui, mas só tínhamos uma pequena quantia do que precisávamos. Eu estava muito estressado. Naquele momento, me sentia como se a responsabilidade toda fosse minha."
O tio das gêmeas, Mohammad Idrees, e o avô ficaram em um apartamento perto do hospital. Mas Zainab não quis se separar das filhas e preferiu dormir no quarto delas no hospital.
Apesar de unidas, as gêmeas têm personalidades distintas, segundo sua mãe. Safa, é "inteligente, feliz e fala muito". Marwa, por outro lado, é tímida. "Ela às vezes falava consigo mesma, mas quando falávamos com ela, nem sempre respondia", diz Zainab.
Logo após a chegada da família ao Reino Unido, houve um momento de grande importância nos rumos dos acontecimentos: em um almoço, Jeelani contou a história das gêmeas para uma amiga advogada, que pegou seu celular e fez uma ligação.
Ela pediu ao cirurgião para contar à pessoa na linha sobre as meninas. Era um rico empresário paquistanês, Murtaza Lakhani. Dentro de alguns minutos, ele disse que cobriria os custos do tratamento. "Os gêmeos são do Paquistão, que é de onde eu sou originalmente", disse Lakhani.
"No entanto, a verdadeira razão para eu ajudá-las foi porque era uma operação que salvaria a vida das duas. Para mim, foi uma decisão fácil, é como você constrói o futuro."
Unidas pela cabeça
Gêmeos siameses desenvolvem-se a partir de um único óvulo fertilizado e, portanto, são sempre idênticos e, mais frequentemente, conectados pelo peito, abdômen ou pelve.
Existem duas teorias sobre por que são unidos. Ou a divisão em dois embriões acontece mais tarde do que o habitual, e os gêmeos se dividem apenas parcialmente ou, após a separação, partes dos embriões permanecem em contato e essas partes do corpo se fundem à medida que crescem.
A fisiologia específica de Safa e Marwa apresenta um conjunto único de desafios para a equipe médica. As meninas são unidas pelo topo de suas cabeças, voltadas para direções opostas. Eles nunca viram os rostos uma do outra.
Seu crânio é como um tubo longo e reto. As varreduras mostram que as meninas têm dois cérebros distintos, mas deformados. O hemisfério direito de cada um eleva-se em 90 graus, projetando-se na cavidade cerebral da outra gêmea. Isso teria de ser corrigido para que suas cabeças tivessem uma forma próxima da normal.
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A maior preocupação da equipe cirúrgica era como separar a complexa rede compartilhada de veias e artérias. Cada gêmea fornece sangue para a outra. Cortar essas conexões implicava no risco de privar o cérebro de nutrientes e causar um derrame.
Não há números oficiais para a prevalência de gêmeos craniópagos, mas uma estimativa diz que são um em cada 2,5 milhões de nascimentos. A maioria não sobrevive além das primeiras 24 horas.
Cada caso é único, e separações de gêmeos craniópagos foram relatadas apenas 60 vezes desde a primeira tentativa, em 1952. Jeelani estima que possam haver até seis pares de gêmeos craniópagos nascidos no mundo a cada ano que poderiam ser separados com sucesso.
O hospital Great Ormond Street é uma referência global neste tipo de cirurgia. Safa e Marwa seriam o terceiro par de gêmeos craniópagos a passar pelo hospital. A equipe sabia, por experiência, que os melhores resultados ocorrem quando a separação é realizada em várias operações, para permitir a recuperação entre elas.
Além de cirurgiões e enfermeiras, a equipe de cem pessoas do hospital, envolvida no cuidado e separação das gêmeas, inclui bioengenheiros, modeladores 3D e um designer de realidade virtual.
Jeelani lideraria a separação dos cérebros e vasos sanguíneos, mas a reconstrução das cabeças ficaria a cargo do cirurgião plástico David Dunaway.
A primeira operação
São 8h de 15 de outubro de 2018, e a lenta jornada das gêmeas rumo à separação está prestes a começar. Uma equipe de quase 20 pessoas está reunida na sala cirúrgica 10 do Great Ormond Street. Cada membro da equipe se identifica e diz qual será seu papel. "Temos um único caso hoje. Safa e Marwa. Duas crianças, um caso", diz Jeelani.
O objetivo desta cirurgia - a primeira das três principais - é separar as artérias compartilhadas das gêmeas. Jeelani repassa seu plano pela última vez, mas todos sabem o que precisam fazer. A equipe se prepara para este dia há meses. "Nós já vimos tudo em detalhes, ensaiamos repetidamente. Esta é a hora da verdade, e tudo tem que ser perfeito", diz Dunaway.
Enquanto isso, as gêmeas estão sendo preparadas para a cirurgia. Com trajes idênticos, Safa e Marwa choram e se contorcem inquietamente.
A separação de gêmeos siameses acarreta enormes riscos. Um ou ambos podem morrer durante a operação ou ficar com danos cerebrais. A família entende os perigos e tem total confiança na equipe. "É claramente muito difícil viver assim, então, é um forte argumento a favor de se tentar a separação, e a família é muito clara sobre isso", diz Jeelani.
Dunaway diz que a equipe avaliou cuidadosamente as questões éticas. "Claramente, viver separado é melhor do que estar unido. Se sentíssemos que não havia uma chance grande de fazê-lo com segurança, pensaríamos seriamente se deveríamos. Mas toda a equipe avalia que há uma excelente probabilidade de a separação ser bem-sucedida."
Quando as gêmeas chegam às portas da sala de cirurgia, Zainab as beija. Ela sabe que os próximos meses serão difíceis para elas, e a emoção da separação é esmagadora. Em lágrimas, ela é confortada por uma das muitas enfermeiras que ela passou a considerar como parte de sua família.
"Estou esperançosa de que tudo vai ficar bem e eu tenho total confiança nos médicos. Eu sempre recorro a Deus, ele vai fazer tudo pelo melhor", diz ela.
Na sala de cirurgia, a primeira tarefa é remover três grandes segmentos do crânio. Jeelani está usando óculos com lentes de aumento. Ele segue as marcas que traçou na cabeça compartilhada das meninas, agora raspadas, e corta a pele e os ossos. Uma vez que o cérebro está exposto, ele troca os óculos por um equipamento muito mais poderoso. MATÉRIA COMPLETA.


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