By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: G1 – Imagem: Divulgação
Embora a alta do dólar observada este ano tenha muito reflexo das
preocupações globais — principalmente em torno do avanço do coronavírus,
o desempenho da moeda brasileira em relação à americana tem se mostrado
pior que o de outras moedas de países emergentes, comparáveis ao
Brasil.
Em 2020, enquanto o real já caiu mais de 15% em relação ao dólar,
outros países acumulam perdas menores na mesma comparação. A perda em
relação a moeda dos EUA foi de 4,98% na moeda do México (peso mexicano),
9,40% da África do Sul (rand), e 12,75% da Turquia (lira turca).
Desde o Carnaval, o dólar subiu 6% em relação ao real.
Mas, fora o coronavírus, que fatores influenciam essa desvalorização
ainda mais forte da moeda brasileira diante das turbulências globais?
"Tem uma parte aí dessa desvalorização do câmbio que é um movimento
global: tem um monte de gente querendo saber sobre o coronavírus, como
isso vai afetar o crescimento global. e tem impacto sobre várias moedas,
não só o real", explica Julia Gottlieb, economista do Itaú Unibanco,
que acrescenta que, no caso brasileiro, há também o impacto de algumas
questões domésticas, como juros, crescimento baixo e preço de
commodities.
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A BBC News Brasil ouviu economistas e analistas do mercado financeiro para responder a esta pergunta.
Nunca juros tão baixos, com economia fraca
A primeira peculiaridade do cenário brasileiro a jogar para cima as
cotações do dólar é, sem dúvida, o longo ciclo de retração dos juros
básicos da economia. A redução sucessiva da Selic a patamares mínimos
históricos— a taxa está atualmente em 4,25% ao ano — tornou alguns
rendimentos baseados na taxa de juros brasileira menos atraentes para o
investidor estrangeiro, o que recentemente prejudicou o desempenho do
real.
Desde meados do ano passado, a moeda americana já vinha escalando para
se firmar em patamares mais próximos aos R$ 4. Cotado a R$ 4,20 em
setembro, o dólar chegou a fechar 2019 cotado a R$ 4,03.
Dados do fluxo cambial, divulgados pelo Banco Central, mostraram saída
de US$ 4,8 bilhões do país em janeiro e fevereiro, resultado de déficit
na conta financeira de US$ 10,8 bilhões e superávit de US$ 6 bilhões na
comercial.
Na terça-feira (3), o Banco Central afirmou em nota sobre o surto de
coronavírus que, diante do risco de "desaceleração adicional do
crescimento global", a autoridade monetária monitorará atentamente os
efeitos do surto sobre a inflação nas próximas duas semanas.
Recado que, na avaliação do banco Fibra, sinalizou intenção de baixar
ainda mais a Selic. A projeção do Fibra agora é que o Comitê de Política
Monetária promova novos cortes na taxa Selic nas próximas três reuniões
do comitê, levando a Selic a 3,25% ao ano.
Para Cristiano Oliveira, economista-chefe do Fibra, o Brasil poderia
voltar a atrair investidores mesmo com os juros baixos, caso a economia
apresentasse crescimento expressivo. "Quando começou o corte de juros, o
Brasil começou a se tornar um país mais 'normal'. No mundo ideal, o que
deveria ter substiuído isso? Crescimento. Um país que cresce atrai
capital, mas o crescimento não está vindo", afirma o economista, que
reduziu a estimativa para a taxa de crescimento do PIB em 2020 de 2,6%
para 1,8%.
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Parcela significativa da redução na expectativa deve-se à esperada
desaceleração da economia chinesa e global, por conta do coronavírus.
"O que eu tenho dito é que o real vai ser uma moeda estruturalmente
fraca por um período grande, provavelmente anos. Enquanto não houver
taxas de crescimento mais expressivas o país não vai atrair capital".
Na avaliação de Oliveira, os ruídos políticos gerados pelo próprio
governo atrasam a perspectiva de que mais reformas importantes para a
economia sejam realizadas, o que piora as projeções econômicas.
Menos comércio, preço menor de commodities
Com a economia da China crescendo menos em razão de todos os entraves
ao comércio e à atividade das empresas em razão do coronavírus, outro
efeito que se vê na economia é a queda no preço das commodities, que
afeta em especial a economia brasileira, exportadora de matérias-primas.
Atualmente, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, sendo o
destino de 28,1% das exportações brasileiras, com as vendas
especialmente de soja, petróleo bruto, minério de ferro, carne bovina.
Na quinta-feira, diante da valorização da moeda, o Banco Central
realizou três leilões de swaps cambiais (novos) ao longo do dia,
colocando US$ 3 bilhões no mercado. A oferta de dólares, contudo, teve
pouco efeito sobre a cotação do dólar, que atingiu R$ 4,66 na máxima do
dia. A economista do Itaú destaca que o BC não atua para controlar a
taxa de câmbio, que é flutuante, mas apenas para atingir metas de
inflação.
"O que a gente trabalha é com um câmbio, no final do ano, mais
apreciado, a R$ 4,15. A gente acha que à medida que o choque global for
se dissipando e o crescimento retornando o capital vai retornar ao país.
No curto prazo deve continuar depreciado, mas o fundamento é de uma
moeda mais apreciada".
O fato de a cotação do dólar não haver baixado após os leilões do BC,
torna mais evidente que o comportamento da moeda americana reflete a
preocupação do mercado com o coronavírus, e não se trata apenas de
especulação.
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"O dólar mudou de patamar, não vai voltar mais aos R$ 4. Se o quadro se
reverter e houver muita notícia boa: vacina, cura, pode chegar a R$
4,10, R$ 4,15".
Na visão do economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima
Gonçalves, o Banco Central deve seguir o sistema de câmbio flutuante e,
diante dos movimentos globais, deixar a cotação do dólar variar.
"Se a desvalorização do câmbio é um movimento global de moedas
emergentes em relação ao dólar, o Banco Central não pode ir na
contramão. Deve começar dizendo que o regime é de metas de inflação e
não de metas de câmbio", afirma, em relatório divulgado na quinta (5).
O ministro Paulo Guedes afirmou em evento da Fiesp que o regime é de
câmbio flutuante e que o modelo econômico mudou, pois os juros são
baixos. Afirmou também que acredita que não há fuga de capital e reiterou que o impacto do coronavírus no Brasil deve ser limitado, pois o país é uma economia fechada.
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