quarta-feira, 13 de junho de 2018

Por que países criaram restrições a medicamentos que melhoram dores terríveis?


By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: BBC BRASIL Imagem: Divulgação

O mundo está vivendo uma epidemia de dor. A cada ano, cerca de 60 milhões de pessoas sentem uma dor lancinante, mas que poderia ser evitada com o uso de medicamentos corretos, especialmente opioides como a morfina. São tanto pacientes em fase final de vida ou com doenças que provocam muita dor, como o câncer.
O número foi estimado por uma comissão de cientistas formada pela Lancet, um importante periódico médico. Só no Brasil, seriam 1,2 milhão de pessoas por ano.
A raiz desse problema é simples. Os opioides, que são os analgésicos mais baratos e mais eficientes conhecidos (ainda que perigosamente viciantes), são muito difíceis de obter em países em desenvolvimento.
Na Índia, por exemplo, os cientistas estimaram que apenas 4% dos doentes que sofrem de dor profunda recebam esses medicamentos.
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Já no Brasil, seriam 74% - ou seja, cerca de 3 de cada 10 brasileiros que vivenciam dores insuportáveis não têm acesso aos medicamentos adequados para aplacá-las.
Os opioides são medicamentos derivados da papoula - planta que também é a base de produção do ópio. Eles estimulam receptores no cérebro e geram um poderoso alívio da dor. Além disso, reduzem a ansiedade e a depressão que costumam acompanhar episódios de dor intensa.
Por outro lado, os opiáceos também produzem uma sensação de euforia e são altamente viciantes - a ponto de causarem uma epidemia hoje considerada crise de saúde pública nos EUA. Por isso, há o perigo de que sejam usados de forma irregular. Em todo o mundo, a guerra às drogas tem buscado restringir o fornecimento dessas substâncias para combater os casos de abuso e vício.
O problema, segundo os médicos, é que essas restrições foram muito longe em diversos países e estão prejudicando o acesso a opioides para o alívio da dor, algo lícito e necessário.
SUS disponibiliza opioides, mas o acesso é muito difícil
O consumo de morfina no Brasil é muito baixo quando comparado a países tidos como modelos internacionais no cuidado paliativo, como Inglaterra e Alemanha. Seriam 3 mg per capita no Brasil, contra cerca de 20 mg nesses países, segundo a International Narcotics Control Board.
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Isso significa que "muita gente tem dor no Brasil e não consegue ser medicada", diz a médica Maria Goretti Sales Maciel, diretora do serviço de cuidados paliativos do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. A maioria delas, pacientes com câncer avançado.
O problema no Brasil não é falta de medicamentos, mas a dificuldade de fazê-los chegar aos pacientes, explica Maria Goretti: "O SUS disponibiliza opioides, como morfina, metadona e codeína. Só a morfina e metadona resolvem 98% dos problemas da dor. Mas, apesar de serem disponibilizados pelo SUS e de serem muito baratos, o acesso a esses medicamentos é muito difícil. A gente tem a faca e o queijo na mão, mas não sabe cortar".
O médico André Filipe Junqueira dos Santos, vice-presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos e membro do Instituto Oncológico de Ribeirão Preto, lista três motivos que dificultam o acesso aos opioides no Brasil.
Primeiro, o excesso de burocracia. Um médico precisa passar até 20 minutos preenchendo papéis para que os medicamentos sejam liberados. Além disso, a distribuição dos opioides é concentrada em pouquíssimos locais. Na cidade de São Paulo, por exemplo, só é possível retirar morfina em apenas duas unidades de saúde.
Segundo, "não há educação para a dor no Brasil", diz o médico. "Passei cinco anos estudando medicina na USP (Universidade de São Paulo) e nunca precisei receitar morfina. Apenas na residência médica tive contato com esse medicamento". Como resultado, muitos médicos ainda têm receio de receitar morfina e acabam passando analgésicos mais simples, como dipirona, paracetamol e anti-inflamatórios.
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Em terceiro lugar, a população brasileira ainda tem um estigma com relação ao uso de opioides para controlar a dor. A morfina é vista como remédio de quem está morrendo. Em outros casos, as pessoas acham que a dor faz parte da doença. Mas a "dor não é algo que a gente deva aceitar", afirma Junqueira dos Santos.
A BBC Brasil questionou o Ministério da Saúde sobre as críticas de excesso de burocracia para receitar opioides contra a dor, mas não obteve resposta.
Situação não deve se resolver no curto prazo
O médico indiano Rajagopal reconhece que a mudança ainda vai levar tempo. Já com mais de 70 anos de idade, ele não tem planos de deixar a causa de lado.
"Nós sabemos como tratar a dor. O que nós precisamos agora é advogar em nome daqueles que sofrem de dor", fala o médico. "Quem está com dor não pode levantar sua voz, porque está tão fraco de corpo e espírito. E não há nenhuma associação de mortos que fale com políticos sobre as injustiças que sofreram".
Apesar da "invisibilidade" da dor, é algo que deveria preocupar a todos, diz o médico. "Não espere até que isso ocorra com você, porque pode ser tarde demais", afirma Rajagopal.


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