By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: G1 – Imagem: Divulgação
O Brasil tem usado em suas áreas agrícolas agentes químicos e
agrotóxicos que foram banidos em outros países há três décadas. São
materiais que oferecem riscos à saúde humana e também aos animais que
circulam por essas regiões.
A comprovação veio de uma pesquisa inédita realizada pela Iniciativa
Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (Incab), grupo ligado ao
Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). De acordo com um levantamento
feito entre 2015 e 2017, no Mato Grosso do Sul, as antas do Cerrado,
bioma que fica no epicentro do desenvolvimento agrícola do país, estão
com a saúde altamente comprometida pela exposição a esses produtos.
A espécie pode ser considerada uma “sentinela”, que utiliza áreas de
monocultura como passagem e tem contato com esses materiais com
frequência. Isso mostra que o cenário de contaminação também afeta,
consequentemente, as pessoas ao redor.
No período do estudo, pesquisadores coletaram centenas de amostras
biológicas de 116 antas capturadas em armadilhas - em uma ação que
serviu para a colocação de colares de telemetria por satélite para
monitoramento - ou de carcaças de antas mortas por atropelamento em
rodovias de sete municípios do MS. As amostras foram avaliadas no Centro
de Assistência Toxicológica (Ceatox), da Unesp de Botucatu (SP), que é
referência nacional para esse tipo de estudo.
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O resultado foi que mais de 40% das amostras avaliadas estavam
contaminadas com resíduos de produtos tóxicos, incluindo inseticidas
organofosforados, piretróides, carbamatos e quatro diferentes tipos de
metais pesados.
“Encontramos um carbamato chamado Aldicarb, que é de uso proibido aqui
no Brasil. Ele foi encontrado em conteúdo estomacal de algumas das antas
analisadas. Isso comprova uma irregularidade na fiscalização e chama a
atenção para a necessidade de medidas mais efetivas sobre o uso e o
comércio desse agrotóxicos pelos órgãos competentes", explica a
pesquisadora Patrícia Medici, que se preocupa com a dificuldade em
descobrir a origem do uso irregular.
O que temos é que foram 13 diferentes agentes químicos
encontrados em 116 indivíduos, fato que serve de alerta para que a
situação seja enfrentada", diz.
AGENTE QUÍMICO
Esse agente químico já é proibido em diversos países, como Alemanha e
Suécia, desde 1990. Outros países europeus como Portugal, França,
Itália, Reino Unido, Espanha, Grécia e Holanda deixaram de utilizar o
produto em 2007. No Brasil, o Aldicarb é proibido desde 2012.
Estimativas do governo, na época, apontavam que o produto seria
responsável por quase 60% dos 8 mil casos de intoxicação relacionados a
chumbinho no país, todos os anos.
Um único grama do veneno pode matar uma pessoa de até 60 quilos em meia
hora. Se inalado, o produto percorre a corrente sanguínea e também pode
levar rapidamente à morte. Nos animais, o efeito é bem semelhante,
atingindo principalmente pulmões, fígado e rins.
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“Verificamos que os 116 indivíduos amostrados estavam contaminados, a
maioria deles por mais de um agente químico. Muitas lesões de fígado e
rins. Isso pode levar os animais à morte, redução da longevidade e até
mesmo influência em sua capacidade reprodutiva”, aponta Patrícia.
A pesquisa mostra ainda que as antas estão expostas a essas substâncias
no ambiente que habitam por contato direto com as plantas, solo e água
contaminados. A análise estomacal demonstrou exposição pela ingestão de
plantas nativas contaminadas e de itens das culturas agrícolas
eventualmente utilizados como recurso alimentar.
PULVERIZAÇÃO
Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Toxicológicas
(Sinitox), ocorre no Brasil uma média de 3.125 casos de intoxicação por
agrotóxico de uso agrícola ao ano, ou oito intoxicações diárias.
O
Ministério da Saúde e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) acreditam que,
para cada caso notificado, existem outros 50 não notificados, o que
aumentaria significativamente essa estatística, reforça a pesquisa.
Patrícia ressalta que o país tem um histórico de pulverização
indiscriminada, sendo que em alguns estados não há nem protocolos
estabelecidos para essa atividade. “Mesmo nas regiões onde há critérios,
de maneira geral , eles não são respeitados”, diz a pesquisadora.
No mesmo período da coleta de amostras com as antas, a equipe da Incab
realizou um levantamento de dados sobre o uso de agrotóxicos no estado
do Mato Grosso do Sul, buscando dados e informações de inserções de
imprensa, registros junto à Polícia Militar Ambiental e Tribunal de
Justiça do MS.
Segundo as informações encontradas, a pulverização aérea é a forma de
aplicação de agrotóxicos mais utilizada no estado, sendo ainda o método
mais relacionado à ocorrência de contaminação do meio ambiente,
especialmente por influência do vento e deriva do produto para áreas
indesejadas.
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No Mato Grosso do Sul, os inseticidas - principal grupo de agrotóxicos
constatado no organismo das antas - são as substâncias responsáveis por
mais de 70% dos casos de intoxicação aguda em humanos.
Mas se engana quem pensa que esse é um problema restrito ao
Centro-Oeste. “Certamente, esse cenário de contaminação está sendo
repetido em todas as outras regiões do país onde agrotóxicos são
utilizados em larga escala. É um problema amplo, que afeta o meio
ambiente e as pessoas. O Brasil, de maneira geral, pega muito leve em
relação às restrições”, comenta Patrícia, dando um exemplo alarmante em
relação à água.
“A grande maioria dos países da União Europeia aceita, no máximo, 0,5
micrograma de quaisquer agrotóxico ou metal pesado na água que é
consumida pela população. Aqui, em alguma regiões, aceitamos até 5 mil
microgramas desses produtos. É bastante chocante a leveza com a qual o
nosso país leva essa problemática e a leveza com que deixam passar
diversas oportunidades de criar critérios mais fortes para proteger a
população”, lamenta.
Muitas das substâncias autorizadas para uso nestas culturas no Brasil
estão proibidas para uso e comercialização em outros países. Existem 504
ingredientes ativos com registro autorizado e uso permitido no Brasil.
Destes, 149 (30%) são proibidos na União Europeia.
Uma série de pesquisas atuais correlaciona a maior incidência de câncer
em determinadas regiões do país com a exposição prolongada à
agrotóxicos. Entre 1980 e 2011, houve aumento das taxas de mortalidade
por câncer de próstata em todas as regiões brasileiras, sendo que a
região Centro-Oeste apresentou tendência crescente, assim como a
expansão da atividade agropecuária.
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A larga utilização de agrotóxicos no processo de produção agropecuária
tem implicações importantes para o ambiente. A contaminação ambiental e
acúmulo destas substâncias na água, ar, solo e sedimentos pode causar
consequências significativas para as comunidades de seres vivos que
compõem o ecossistema.
Poucos estudos avaliaram as consequências da contaminação ambiental por
agrotóxicos em espécies da fauna. Todavia, efeitos adversos já são
comprovados em populações de anfíbios e peixes de várias espécies.
Uma preocupação inerente à contaminação de recursos naturais é a
dispersão de contaminantes para fora das áreas consideradas fonte,
atingindo não somente comunidades do entorno das áreas de uso e
aplicação de agrotóxicos, como também comunidades afastadas.
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