sábado, 12 de maio de 2018

Os diálogos que comprometem Beto Richa


By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: REVISTA ISTOÉ Imagem: Silvia Costanti

Ao renunciar ao governo do Paraná para disputar uma vaga no Senado, o tucano Beto Richa perdeu o foro privilegiado, e como consequência imediata, um dos inquéritos da Lava Jato contra ele foi parar nas mãos do juiz Sergio Moro. Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça enviou à primeira instância a investigação que apura se a campanha à reeleição de Richa em 2014 recebeu R$ 2,5 milhões da Odebrecht via caixa 2. Áudios que estão em poder do Ministério Público Federal, e obtidos com
exclusividade por ISTOÉ, complicam ainda mais a situação do ex-governador.
Em uma das conversas, o então chefe de gabinete de Richa, Deonilson Roldo, revela a negociata com a Odebrecht justamente em torno da obra que teria lhe rendido milhões em recursos para a campanha, por meio do caixa paralelo.
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No diálogo, Roldo tenta convencer Pedro Rache, diretor-executivo da Contern, uma construtora do grupo Bertin, a desistir da licitação para duplicação da PR-323, pois, segundo o chefe de gabinete, a obra já estaria prometida para a Odebrecht. O encontro foi realizado em 24 de fevereiro de 2014 dentro do Palácio Iguaçu, sede do Governo do Paraná.
No diálogo, braço-direito de Richa coage empreiteiro a desistir da licitação para duplicação da PR-323. Segundo ele, a obra já estaria prometida para a Odebrecht
A licitação da PR-323 foi a primeira parceria público-privada (PPP) realizada pelo governo estadual. Um negócio de R$ 7 bilhões para concessão de pedágio e duplicação de 207 km de uma importante rodovia estadual que corta as regiões norte e noroeste do estado. A Contern tinha interesse no contrato. Passou quase dez meses desenvolvendo uma proposta comercial. Mas, na conversa realizada no Palácio Iguaçu, a empresa foi coagida pelo chefe de gabinete de Richa a abrir mão da licitação em favor da Odebrecht.
Deonilson Roldo, fiel escudeiro e braço-direito de Richa há mais de 15 anos, foi  claro. “A gente tem um compromisso nessa obra aí. Queria ver até onde a gente pode entrar para que esse compromisso não seja desrespeitado”, afirmou Roldo, conforme o áudio. Rache entendeu o recado. Em diversos momentos da conversa, ele deixa claro o interesse em atender ao pedido do governo  e desistir da licitação. Para isso, precisaria consultar um grupo italiano que trabalhava com ele, pois não poderia tomar a decisão sozinho.
Em contrapartida pela desistência da Contern na PR-323, Roldo ofereceu ajuda do governo em outro negócio de interesse do Grupo Bertin no Complexo de Aratu, no litoral da Bahia. Ali, o Grupo Bertin possuía seis usinas térmicas, mas enfrentava dificuldades para tocar os projetos e buscava um parceiro. A Copel, companhia de energia elétrica do Paraná, foi procurada. Se a Contern desistisse da PR-323, em benefício da Odebrecht, Roldo poderia desenrolar a negociação com a Copel, num valor próximo de R$ 500 milhões. “O grupo tem uma negociação com a Copel em andamento. Então a gente queria ver em paralelo esses negócios…”, afirmou.
Novamente, Rache não enxergou problemas na oferta e se comprometeu a conversar com os conselheiros
italianos. Mas fez um pedido ao chefe de gabinete: que se ampliasse o prazo para entrega das propostas da PR-323, para que ele tivesse tempo hábil de convencer o grupo italiano a abrir mão do contrato. No diálogo, o braço-direito de Beto Richa parecia empenhado em resolver o imbróglio para atender aos interesses da Odebrecht. Por isso, foi solícito e prometeu encontrar uma forma de postergar o prazo da licitação.
“Não sou bobo”
Quando já havia um entendimento entre as partes, o chefe de gabinete do governador do PSDB sugeriu que Rache se encontrasse com um representante da Odebrecht para, enfim, fechar o acordo. Ao que Rache estrilou. E exigiu fazer o acerto diretamente com o governo. “Não sou bobo. A gente precisa criar esse tipo de coisa para ter a relação. Sendo um pedido daqui. Eu prefiro que esse pedido seja daqui e não eu ficar trocando ficha, porque dessa forma eu tenho segurança de que lá na frente eu passo a ter crédito. Resolvendo tudo aqui, sai como se fosse uma determinação, é bem diferente do que ‘ó, tá combinado’”, disse o executivo. O objetivo central da conversa, no entanto, foi plenamente atingido.
O Grupo Bertin desistiu da obra, a Odebrecht acabou concorrendo sozinha e vencendo a licitação da PR-323 em junho de 2014 – ou seja, quatro meses depois do diálogo que a ISTOÉ traz agora à tona. Em troca do bilionário contrato, com duração de 30 anos, a Odebrecht teria acertado o repasse de R$ 4 milhões, via caixa 2, para a campanha de reeleição de Beto Richa em 2014. É o que investiga o inquérito hoje nas mãos de Sergio Moro, agora reforçado pelas novas revelações de ISTOÉ. Embora o contrato tivesse sido assinado com a Odebrecht, como mandava o figurino, a obra não saiu do papel.
Mas o dinheiro para Beto Richa já estava carimbadíssimo. Do total de R$ 4 milhões, R$ 2,5 milhões foram pagos, segundo informou Benedcito Barbosa, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, em delação premiada. De acordo com Benedicto, os R$ 2,5 milhões seriam lançados futuramente como despesa no projeto de duplicação da PR-323.
Ouvidos por ISTOÉ, Deonilson Roldo e Beto Richa rechaçaram qualquer direcionamento para a Odebrecht. O ex-chefe de gabinete de Beto Richa confirma o encontro com o empreiteiro, não nega que a voz nos diálogos seja dele, mas argumenta que a gravacão foi editada.  Garante ter dito que o “governo tinha um compromisso com a região (noroeste do Paraná)”, não com a Odebrecht. O Ministério Público do Paraná, de posse de uma cópia do áudio, diz que aguarda o original da gravacão para solicitar uma perícia. O desenrolar dos fatos, no entanto, deixa claro que havia mesmo um acerto do governo Richa com a empreiteira. Tanto que o grupo Bertin saiu mesmo do páreo, como queria Deonilson, e a Odebrecht venceu a licitação. Mais do que isso: por ter levado a obra da PR-323, a empreiteira  recompensou Richa com R$ 2,5 milhões via caixa dois para sua campanha à reeleição, segundo depoimento de um  executivo da própria Odebrecht. Ou seja, os áudios fornecem robustez à denúncia, ao contribuir para fechar o quebra-cabeças que liga o governo do Paraná à negociata com a Odebrecht. Se o ex-governador Beto Richa já estava encalacrado, agora ele ganhou mais um motivo para se preocupar.
O áudio
Em conversa, hoje em poder do Ministério Público Federal, mantida em fevereiro de 2014 com Pedro Rache, presidente da construtora Contern, do grupo Bertin, o então chefe de gabinete e braço direito do governador Beto Richa (PSDB), Deonilson Roldo, tenta convencer o empreiteiro a abrir mão de sua participação na obra da duplicação da PR-323 (PPP 323) em favor da Odebrecht. Em troca, Roldo oferece à Contern a construção de seis térmicas do complexo Aratu, tocado pela Copel (Companhia Paranaense de Energia). A Odebrecht, de fato, acabou assumindo sozinha as obras da PPP 323. O contrato foi assinado em junho de 2014 – um negócio de R$ 7 bilhões que previa 30 anos de concessão da estrada e obras de duplicação.
Em contrapartida, a Odebrecht teria pago R$ 2,5 milhões em propinas para a campanha da reeleição de Beto Richa.
Deonilson Roldo
Tem planos de entrar na PPP aqui, da 323?
Pedro Rache
Eu tenho planos fortes. Trabalhei muito. Estou trabalhando, claro que a gente trabalha de uma maneira bem discreta. Mas estou com a proposta pronta. To com ela pronta para entregar agora.
Deonilson Roldo
Mas a gente tem um compromisso nessa obra aí. Queria ver até onde a gente pode entrar pra que esse  compromisso não seja desrespeitado.
Pedro Rache
Eu hoje tava bem preparado, estou bem preparado pra entrar aí. Eu tenho um grupo italiano, que trabalha comigo.
Deonilson Roldo
Eu te perguntei do assunto Copel porque está em andamento hoje à tarde, está tendo uma reunião na  Copel aqui e o grupo tem uma negociação com a Copel em andamento… pra fechar até o final de março com uma possibilidade grande de fechar. É um negócio de R$ 500 milhões mais ou menos. São seis térmicas do complexo Aratu que a Copel está negociando.
Pedro
Se eu posso compor. Mas é o que eu falei: Eu tenho que levar no grupo primeiro.

Deonilson Roldo
Você tem condição de conversar com uma pessoa agora, saindo daqui?

Pedro Rache
Sem problema nenhum.

Deonilson Roldo
da Odebrecht.

Pedro Rache
Deixa eu explicar uma coisa. Eu não quero atender a Odebrecht, eu quero atender o governo, é diferente. Eu tenho uma história com a Odebrecht, passei muita dificuldade (…) A proposta está pronta. Não estou aqui de conversa, não tenho essa característica (…) Não sou bobo. A gente precisa criar esse tipo de coisa pra ter a relação. Sendo um pedido daqui. Eu prefiro que esse pedido seja daqui e não eu ficar trocando ficha, porque dessa forma eu tenho segurança de que lá na frente… eu passo ter o crédito, de uma maneira ou de outra, mas eu também fico com crédito com eles através daqui e não através deles. Resolvendo tudo aqui, sai como se fosse uma determinação, é bem diferente do que ‘ó tá combinado’.

Deonilson Roldo
Internamente, você tem como ver no grupo que tem esse outro assunto.

Pedro Rache
Voltando já faço isso rapidamente.

Deonilson Roldo
Uma coisa facilita a outra.

Pedro Rache
Só pra eu me situar: dentro desse processo, to falando da Copel dos 500 milhões, seria já como se fosse um equilíbrio com o consentimento…

Deonilson Roldo
A negociação tá em curso na Copel, as tratativas começaram e a gente tem a possibilidade de dizer  assim: ‘ok, vamos fazer já’.
Pedro Rache
Porque aí eu preciso colocar isso pro outro lado e ver a posição dessa parte do grupo, de energia.
Ouça:

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