domingo, 27 de março de 2016

Odebrecht cita repasses eleitorais a políticos que não se candidataram



By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: UOL Imagem: Divulgação


Em registros de contabilidade apreendidos pela Polícia Federal na Operação Acarajé e divulgados nesta quarta-feira (23), a construtora Odebrecht cita repasses eleitorais de 2012 a políticos que não se candidataram àquele pleito. As informações foram analisadas por "Aos Fatos", que cruzou os dados da lista, em parceria com o UOL, com registros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
As planilhas revelam que parte significativa da contabilidade se refere à campanha de 2012, quando foram eleitos prefeitos e vereadores. Nesses documentos, aparecem registros de valores de até R$ 500 mil em nome de políticos como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o ministro Armando Monteiro (Desenvolvimento), o ex-senador José Sarney (PMDB-AP) e até o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que não se candidata a cargos eletivos há quase 15 anos. Nenhum deles disputou as eleições para as quais esses valores seriam destinados.
As investigações da Polícia Federal apuram se essas quantias de fato existiram e se foram embolsadas pelas campanhas por meio de doação oficial ou propina. O fato de haver políticos que não se candidataram em registros eleitorais, entretanto, levanta suspeitas sobre a versão de que eram apenas doações regulares de campanha.
Os documentos foram revelados pelo blog de Fernando Rodrigues, do UOL, e listam possíveis repasses da Odebrecht para mais de 200 políticos de 24 partidos. As planilhas estavam com Benedicto Barbosa Silva Júnior, presidente da Odebrecht Infraestrutura, e conhecido no mundo empresarial como "BJ''.
No meio da tarde desta quarta-feira, o juiz Sérgio Moro determinou que esse material fosse colocado sob sigilo. O UOL e o "Aos Fatos" tiveram acesso às informações quando os dados estavam públicos e acessíveis.
Políticos listados
O nome mais eloquente é o do ex-presidente da Transpetro Sergio Machado, que não se candidatou a prefeito nas últimas eleições --nem concorreu a cargo eletivo em qualquer época.
Em uma das planilhas, ele é relacionado à quantia de R$ 500 mil em 12 de setembro de 2012, auge da campanha municipal. Investigado na Lava Jato, teve a casa devassada pela PF em dezembro do ano passado.
Os peemedebistas José Sarney (AP), Eduardo Cunha (RJ), Jorge Picciani (RJ), Sérgio Cabral (RJ) e Romero Jucá (RR) também são citados em uma lista de candidatos a prefeituras em 2012. Nenhum deles disputou aquela eleição. Na relação da Odebrecht, Sarney, Cunha, Picciani e Cabral são chamados de "históricos".
Eduardo Cunha é identificado como "caranguejo" e, ao lado do seu nome, há o registro de R$ 500 mil. Cunha não disputou eleição em 2012 e foi reeleito deputado federal em 2014. Ele afirmou só ter recebido "doações de caixa 1". Outros políticos negaram qualquer tipo de doação ilegal e disseram que as verbas estão declaradas à Justiça Eleitoral.
Com Picciani, o "grego", também há a anotação de R$ 500 mil. Ele foi eleito deputado estadual pelo PMDB do Rio em 2014. Antes disso, havia disputado uma cadeira no Senado em 2010, mas não conseguiu se eleger.
A Sarney, que aparece com o codinome "escritor" na planilha da construtora, são destinados R$ 100 mil, conforme a planilha. Ele disputou sua última eleição em 2006, quando conquistou uma cadeira no Senado pelo Estado do Amapá. Seu mandato terminou em 2015; um ano antes, ele anunciou sua aposentadoria da vida política.
Já o "proximus" Sérgio Cabral, atualmente sem mandato, foi governador do Rio de Janeiro de 2006 a 2014. As planilhas da Odebrecht mostram registro de R$ 500 mil ao lado de seu nome.
Também aparecem nas listas de contabilidade de 2012 sem não terem se candidatado para prefeito ou vereador o ministro Armando Monteiro (PTB-PE), o senador Romero Jucá (PMDB-RR), o deputado Geraldo Simões (PT-BA), o senador Randolfe Rodrigues (Rede, eleito senador pelo PSOL-AP), o ex-governador Silval Barbosa (PMDB-MT), o ex-governador Renato Casagrande (PSB-ES), ex-ministra Maria do Rosário (PT-RS) e o ex-líder da oposição na Câmara Bruno Araújo (PSDB-PE). 
Dados do TSE
Os valores que constam das planilhas da Odebrecht totalizam mais de R$ 70 milhões. "Aos Fatos" cruzou essa informação com as quantias declaradas como doações da empresa às campanhas de 2010, 2012 e 2014. O levantamento constatou que o grupo contribuiu com quase R$ 40 milhões no mesmo período, segundo as bases do Tribunal Superior Eleitoral.
No caso das eleições de 2012, a construtora doou R$ 25,5 milhões para partidos e comitês de campanha e apenas R$ 50 mil para uma candidatura em particular: a de Luiz Marinho, candidato do PT à Prefeitura de São Bernardo do Campo (SP). Segundo ele, as doações foram feitas legalmente e aprovadas pela Justiça Eleitoral.
"Aos Fatos" também cruzou as doações atribuídas individualmente a cada um dos mais de 300 políticos citados nos registros de contabilidade. Assim como indicam as planilhas, a maior parte das doações é direcionada aos diretórios nacional, estadual e municipal dos partidos --prática comum e legal, mas que diminui o controle do doador sobre o real propósito da verba. Nesse caso, as siglas não são obrigadas a repassar a totalidade da doação para funções preestabelecidas.
É o caso de José Serra (PSDB-SP) nas eleições de 2012. A planilha cita, ao lado de seu nome, a quantia de R$ 3,2 milhões. No TSE, sua prestação de contas não dá mais detalhes. São públicas apenas transferências originárias da direção nacional do PSDB. O mesmo se aplica a demais candidatos citados nos documentos.
Outro lado
O presidente da Câmara Eduardo Cunha afirmou que é "normal" fazer pedidos em nome do partido para que a doação seja distribuída entre candidatos. "Várias empresas fizeram doações, certamente para minha campanha não foi e, se eu pedi, foi para o PMDB. Não sei o que é, mas é normal, a Odebrecht doou para o PMDB. Em alguns momentos, eu pedi para campanha do Henrique (Eduardo Alves) para o PMDB e o PMDB distribuiu", disse Cunha.
Procurada, a ex-ministra Maria do Rosário disse que a planilha se refere a uma doação feita em 2012 feita sob sua indicação para o PT Nacional, com o objetivo de contemplar a então candidata a vereadora de Porto Alegre, Ariane Leitão. "A prestação de contas da candidata demonstra o devido registro ao TRE em 19 de setembro daquele ano", disse.
O ex-governador Renato Casagrande afirmou que recebeu recursos da Odebrecht apenas durante sua campanha. "Por enquanto, o que se tem é uma listagem confusa, com informações imprecisas e não apuradas, cuja divulgação já foi, inclusive, suspensa pela Justiça Federal, justamente com o objetivo de evitar que aqueles que receberam recursos oficiais sejam confundidos com beneficiários ilegais", disse.
O deputado Bruno Araújo disse que os valores em questão foram recebidos em 2012 pelo PSDB e repassados oficialmente a candidaturas a prefeito em Pernambuco naquele ano "com o devido registro na Justiça Eleitoral".
O senador Randolfe Rodrigues nega ter recebido doações da Odebrecht nem ter trabalhado junto à construtora para que outros fossem beneficiados. Disse se tratar de uma campanha para "sujar" seu nome e afirmou que recorrerá ao Ministério da Justiça e à Procuradoria Geral da República para esclarecer o caso.
Até o momento, Sérgio Machado, Jorge Picciani, Sérgio Cabral e Silval Barbosa não foram encontrados para comentar o assunto.
 
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