By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: BANDA B – Imagem: Divulgação
Um estudo realizado por
pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) mostra que o vírus
da zika é capaz de infectar e matar as células de tumores
cerebrais com grande eficácia, sem causar danos às células saudáveis.
De acordo com os autores da
pesquisa, os resultados sugerem que, no futuro, vários tipos de tumores
agressivos do sistema nervoso central poderiam ser tratados com algum tipo de
abordagem envolvendo o uso do vírus da zika, conhecido por sua preferência por atacar
células do cérebro em formação.
Realizada por cientistas do Centro
de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da USP, sob coordenação da
geneticista Mayana Zatz, nesta quinta-feira, 26, na revista científica Cancer
Research, da Associação Americana para a Pesquisa do Câncer.
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Segundo Keith Okamoto, autor
principal da pesquisa, estudos anteriores já haviam mostrado que o vírus da
zika tem uma grande afinidade por células do sistema nervoso central, em
especial as células-tronco neurais, que dão origem aos neurônios. Assim, quando
um feto é infectado, o vírus ataca seu sistema nervoso e reduz drasticamente a
quantidade de células-tronco neurais, gerando problemas como a microcefalia.
Por outro lado, segundo Okamoto,
estudos feitos pelo grupo da USP sobre tumores do sistema nervoso central
mostravam que as células que compõem esses tumores têm características
semelhantes às das células-tronco neurais e estão ligadas ao processo de
disseminação do câncer – a metástase.
“Essas células tumorais são
especialmente resistentes aos tratamentos convencionais como quimioterapia e
radioterapia. Por isso decidimos investigar se o vírus da zika, que infecta
células-tronco normais, poderia também infectar e matar as células tumorais que
têm características de células-tronco”, disse Okamoto ao Estado.
Para realizar a pesquisa, os
cientistas infectaram com zika células humanas derivadas de dois tipos de
tumores cerebrais que afetam especialmente crianças de até cinco anos de idade:
meduloblastoma e tumor teratóide rabdóico atípico. O procedimento também foi
feito com células de câncer de mama, de próstata e de intestino.
Em um dos experimentos, os
pesquisadores utilizaram essas células tumorais humanas para induzir o
crescimento de tumores cerebrais “humanos” em camundongos. Depois de
desenvolver o câncer em estágio avançado, os animais receberam uma injeção com
o vírus da zika. Os tumores regrediram em 20 dos 29 animais tratados com o
vírus – em sete deles, a remissão foi completa e o tumor desapareceu. O vírus
também bloqueou e reverteu metástases.
“O estudo mostrou que o vírus da zika de fato possui afinidade com as células
do sistema nervoso central, infectando e matando as células tumorais de forma
seletiva. O mesmo não ocorreu com os tumores de mama, próstata e intestino. As
células-tronco tumorais se mostraram ainda mais suscetíveis a serem destruídas
pelo vírus do que as células-tronco sadias. Observamos também que o vírus não
foi capaz de infectar os neurônios maduros”, explicou Okamoto.
Segundo o cientista, o fato do
vírus da zika não afetar os neurônios maduros é crucial do ponto de vista da
segurança, já que a destruição de neurônios saudáveis seria uma barreira para o
uso do vírus em uma futura terapia contra o câncer cerebral.
“Mostramos que o vírus tem
propriedade oncolítica, isto é, ele é capaz de atacar preferencialmente as
células tumorais, preservando as células normais do mesmo tecido. Essa linha de
estudos é bastante nova e nosso estudo é o primeiro com o vírus da zika a
mostrar resultados em células humanas”, disse o pesquisador.
Okamoto conta que as propriedades
oncolíticas já haviam sido observadas em outros vírus e a estratégia do uso de
vírus como “arma” contra o câncer já é uma realidade. Em 2015, a FDA – a
agência americana responsável pela regulação de fármacos, terapias e alimentos
– aprovou um tratamento que utiliza uma forma modificada do vírus da herpes
para tratar melanoma.
No ano passado, quando os
cientistas brasileiros já haviam enviado o novo artigo para publicação, um
grupo de cientistas americanos publicou um estudo que também mostrou como o
vírus da zika destrói células de glioblastoma – outro tipo de câncer cerebral
-, mas o estudo foi feito sem o uso de células humanas
“O estudo sobre o glioblastoma é
importante, porque é um tipo de câncer agressivo que carece de tratamento. Mas
o estudo não foi feito com células de tumores humanos – e sim com células de
tumores de camundongos, que respondem de forma diferente”, disse Okamoto.
Como foram utilizadas células de
tumores humanos nos camundongos, o estudo brasileiro conseguiu demonstrar não
apenas que o vírus da zika consegue reduzir os tumores, mas também inibir a
metástase. No caso do glioblastoma, a metástase é rara, já que o paciente
costuma morrer antes que o tumor se alastre.
“Outra novidade importante do nosso
estudo é que pela primeira vez foi feito um estudo de escalonamento da dose.
Isto é, nós adicionamos quantidades crescentes do vírus às células tumorais
para descobrir qual é a quantidade mínima capaz de promover a infecção. Verificamos
que uma dose do zika 50 vezes menor que a utilizada pelos americanos já é
suficiente para eliminar os tumores”, explicou Okamoto.
O estudo brasileiro também mostrou
que depois de atacar as células-tronco tumorais, o vírus da zika não consegue
se reproduzir com eficiência – o que evitaria que os pacientes tratados contra
o câncer ficassem doentes com a infecção viral.
“Normalmente, quando um vírus
infecta uma célula, ele sequestra sua maquinaria para se replicar e depois
libera uma quantidade imensa de partículas virais que irão infectar outras
células. Mas descobrimos que, por algum motivo, o vírus não consegue se
replicar de forma eficiente na célula de câncer, porque as partículas virais produzidas
são defeituosas, com pouca capacidade para destruir células normais.”
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