By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: G1 – Imagem: Divulgação
Impedido de doar sangue por ser homossexual, um auxiliar administrativo
de São Carlos (SP) disse que se sentiu humilhado. No Dia Mundial do
Doador de Sangue, Caio Roberto contou
como a falta de informação afeta a população LGBT no país.
“Senti vergonha de chegar em casa e contar para os meus pais que eu não
pude salvar vidas por ser gay”, desabafou o jovem de 21 anos.
No Brasil, homens que mantêm relações homoafetivas são impedidos de
doar sangue se tiveram relações sexuais a menos de um ano por
pertencerem a um grupo de risco, segundo a portaria 158/2016 do
Ministério da Saúde.
As atuais regras brasileiras estão sendo questionadas pelo Partido
Socialista Brasileiro (PSB), no Supremo Tribunal Federal (STF).
Vergonha
Caio foi tentar doar sangue na semana passada. Ele contou que foi
surpreendido pela atendente no decorrer da entrevista que faz parte do
processo de triagem.
“Ela questionou se eu tinha namorada ou namorado. Como não tenho nada
para esconder, respondi ‘namorado’. Ela parou de digitar e alegou que eu
não poderia doar, pois quem pratica ato sexual com pessoas do mesmo
sexo é considerado um risco”, contou ele.
O jovem disse que no momento ficou chateado, além de achar a orientação machista e homofóbica.
Desinformação
Roberto disse que não sabia que existia uma portaria que exclui
homossexuais do grupo apto para doar sangue e que descobriu após
publicar um relato na rede social sobre o que aconteceu.
“Uma menina que trabalha em um banco de sangue comentou no meu post e
explicou que pessoas com relações homoafetivas teriam que ficar 12 meses
sem ter relação sexual para conseguir doar. Para mim, está errado,
héteros podem praticar os mesmos atos”, disse.
Para o jovem, a informação sobre doação de sangue de homossexuais deveria constar nas cartilhas e folhetos de orientações.
“Assim todas as pessoas ficariam sabendo e ficariam surpresas por ainda
existirem esses atos horríveis e desta forma teríamos cada vez mais
vontade e voz de lutar contra tudo isso”, declarou.
Preconceito velado
O advogado Guilherme Dias disse ao G1
que, além do possível doador ser prejudicado pela portaria, a
coletividade também é afetada. “A falta de sangue nos bancos é uma
realidade no Brasil. Quando você cerceia e exclui um grupo, você está
impedindo que pessoas que necessitam de sangue o recebam. Tudo isso por
uma simples orientação de gênero”, afirmou.
Dias também destacou que no momento da triagem o motivo da exclusão não
fica explícito. “Eles fazem uma série de perguntas, questionam e
simplesmente tiram a pessoa sem grande justificativa. Então, não há uma
postura declarada, muito bem pontuada, que a gente consiga saber com
facilidade. Isso acontece de maneira velada”, pontuou.
Para Dias, a medida é contraditória, uma vez que não é correto
relacionar a homossexualidade com relacionamentos promíscuos. “A
portaria cria uma diferenciação que não é real. Você não pode relacionar
a orientação de alguém à possibilidade de ela contrair doenças”, disse.
O advogado também ressaltou que nos últimos anos a maioria de
portadores do vírus da Aids é heterosexual, sendo grande parte mulheres
(58, 2%).
Banco de Sangue
O diretor do banco de sangue de São Carlos, Marcus Bizarro, explicou
que a cada bolsa de sangue coletada é possível salvar a vida de até 10
crianças ou três adultos. O custo para a manutenção do serviço como um
todo varia de R$ 300 a R$ 500. Sobre a recomendação feita pelo
Ministério da Saúde, o médico afirma que não concorda com a tese.
“Não há ciência envolvida neste aspecto. Os parâmetros que temos de
controle prévio são a avaliação do comportamento e o exame que garante a
segurança. A portaria é falha em vários sentidos, mesmo porque não dá
pra saber se na entrevista o candidato está falando a verdade”, disse.
Bizarro acredita que a portaria, criada em fevereiro de 2016, não
perdurará por muito tempo. “Nós vemos indícios de comportamento político
nela. Se houver pressão da sociedade para pedir explicações e
justificativas sobre, provavelmente cairá”, declarou.
Apesar de não concordar, o médico afirmou que a portaria é seguida de
forma que possa garantir a regulamentação da Vigilância Sanitária.
Entretanto, justifica que tem cuidado para não divulgar essa informação,
pois pode ser interpretada como uma medida discriminatória.
“Acho que até demorou para a mídia saber da portaria. Porque está sendo
problema para nós, que somos um serviço que depende do público, temos
que zelar pela nossa imagem e não podemos, por outro lado, divulgar essa
informação que parece muito controversa. E não podemos passar por
autores dessa política discriminatória”, concluiu.
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