By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: BBC BRASIL – Imagem: Divulgação
"Não tem comida em casa, o que tinha já acabou", conta, emocionada, a mãe Jéssica Paula Lima, de 26 anos.
Quando ela conversou por telefone com a repórter da BBC News Brasil, estava na casa de outra mãe para almoçar de favor com as crianças.
Na segunda-feira (02/03), Jéssica disse ter recebido uma resposta agendando sua perícia para o dia 12 de março, um ano após ter dado entrada no Benefício de Prestação Continuada (BPC), para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, em uma agência do Instituto Nacional do Seguro Social de Recife, em Pernambuco.
"Nem acredito", comemorou ela.
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De acordo com o INSS, existem atualmente no país 420 mil
pedidos de BPC como os de Jéssica, que aguardam mais de 45 dias para
serem analisados. Os atrasos atingem justamente a parcela mais
vulnerável da população, que em geral não tem outra alternativa de
renda, nem condições de trabalhar. No caso de Jéssica, como nos da maioria das mães de crianças com a Síndrome Congênita do Zika, conciliar outras atividades é impossível: os cuidados com as crianças, que têm pouca ou nenhuma autonomia para atividades cotidianas, exigem dedicação em tempo integral, e a mãe quase sempre é sobrecarregada.
Brenda tem microcefalia e outras alterações causadas pela síndrome, registrada em bebês expostos ao vírus ainda no útero e responsável por diversos efeitos neurológicos no recém-nascido, como malformações na cabeça, movimentos involuntários, convulsões, irritabilidade, problemas de deglutição, baixa visão e audição.
A epidemia atingiu principalmente mulheres de baixa renda, em áreas com falta de saneamento básico, mais favoráveis à proliferação do Aedes aegypti, o mosquito transmissor do vírus.
Jéssica dedica o tempo todo aos filhos, com quem mora em um quartinho alugado em Recife. Brayan, de 4 anos, tem autismo e também precisa de remédios de uso contínuo.
Ela já tentou pedir o benefício do BPC para o filho, mas a solicitação foi negada. O filho mais velho, de 12 anos, mora com o pai, desempregado, de quem Jéssica se separou há um ano.
"A renda que tenho são os R$ 171 do Bolsa Família. Pago R$ 100 do aluguel e com os R$ 71 eu me viro", diz. O valor do benefício é o mesmo há três anos, ela afirma, com exceção do período em que estava grávida, quando recebeu R$ 46 até a bebê completar seis meses de idade. "Depois volta ao valor normal."
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Brenda precisa de fraldas, leite especial e suplemento
alimentar, que Jéssica já não tem dinheiro para comprar. A medicação
contra convulsões também acabou e não está disponível pelo Sistema Único
de Saúde (SUS). A perda de peso da filha tem deixado a mãe cada vez
mais apreensiva e triste. "Às vezes quando tem verdura ou qualquer outra coisa eu cozinho, bato no liquidificador e dou para ela. Verdura, suco, qualquer coisa que tem ela toma, só na mamadeira. Porque ela está com disfagia (dificuldade de engolir) e não está aceitando nada na colherzinha, nem papinha mais grossa, ela engasga e vomita", conta.
"A médica disse que na próxima consulta, se não aumentar o peso um pouquinho, ela vai ter que ir para a sonda."
Incerteza e novas exigências
Desde
que agendou pela primeira vez a ida ao INSS, em 19 de março do ano
passado, Jéssica conta que levou todos os seus documentos e os dos
filhos, inclusive o laudo atestando que Brenda tem a Síndrome da Zika. Seu pedido ficou em análise e, de lá para cá, as exigências só aumentaram. Ela já levou, a pedido do INSS, uma atualização do Cadastro Único obtida no Centro de Referência em Assistência Social (Cras). Em novembro, oito meses depois da primeira solicitação, o INSS pediu que ela levasse a folha resumo do Cras, documento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda.
Em dezembro, mais um aviso. "Disseram que estava faltando o CPF do meu filho, o que não faz sentido, porque eu já tinha mandado, e estava tudo certo. Levei de novo. De lá para cá, está em análise."
Germana Soares, presidente e fundadora da União de Mães de Anjos, que presta assistência para mais de 400 famílias de bebês com a síndrome do zika em todo o Estado de Pernambuco, diz que o caso de Jéssica é um dos mais extremos que ela conhece em razão do atraso do INSS, mas não muito diferente da realidade que muitas das mães enfrentam, mesmo as que recebem o valor do BPC. Foi a associação, por exemplo, que colocou Jéssica em contato com outras mães para ajudar na falta de comida.
"Temos outras famílias que vivem em situação de vulnerabilidade grande, porque um salário mínimo não é nenhuma fortuna", diz. "Essas famílias precisam de alimento, de roupa, de leito especial, lenço umidecido, material de higiene. Existe um cenário de 76% de abandono paterno, essas mulheres vivem sem um companheiro. É um salário para a vida e para a morte, que mal dá para os custos com a criança, que dirá para a família", diz. "A mãe não pode trabalhar, a dedicação é infinita. As crianças convulsionam 70, 80 vezes por dia. A medicação é caríssima, alguns são liberados pelo SUS, mas vive em falta. Tem mãe que gasta R$ 600 de medicamento por mês, mais aluguel. Daí vive de quê?"
A BBC News Brasil pediu ao INSS, por meio da assessoria de imprensa, informações sobre os casos das mães entrevistadas. O contato com as seccionais do INSS tanto em Pernambuco quanto do Nordeste tampouco resultou em previsão ou resposta sobre o andamento dos casos.
Situação parecida com a de Jéssica enfrenta Rosigleide Santos da Silva, a Kel, que aos 22 anos é mãe de John, um menino de quatro anos com microcefalia. No mês passado, sem renda, ela e a mãe pediram dinheiro emprestado para a vizinha para comprar Keppra, um medicamento antiepilético cuja caixa com 60 comprimidos custa cerca de R$ 135.
"É um remédio que ele toma duas vezes ao dia, não pode faltar", conta. "Está bem difícil. Meu companheiro trabalha, mas é insuficiente para os gastos, especialmente com o meu filho, que toma remédios controlados."
Kel afirma que o benefício do BPC foi cortado em 2019, após três anos. Ela deu nova entrada no pedido em 24 de setembro, ainda no ano passado, e desde então checa todo dia o aplicativo Meu INSS em busca de uma boa notícia. Sem a renda mensal, reduziu a compra de lanchinhos para o filho, que já perdeu cerca de 3 kg.
"Ele estava com 17 kg, indo para 18kg. Hoje ele deve estar com uns 15 kg", lamenta. "Parei de comprar lanche, tipo um iogurte, uma fruta. Como perdi o benefício tive que diminuir, comecei a dar mais gogó (leite), que sai mais em conta do que comprar outras coisas."
John não se senta, não fala, não tem muita firmeza no pescoço e só come comida pastosa ou líquida, porque tem dificuldades para engolir. "Parece um bebê de seis meses". Tinha melhorado, mas teve uma convulsão muito forte no Natal, e, desde então, a mãe notou que ele regrediu um pouco.
Ela diz gastar cerca de R$ 400 por mês só nos cuidados com o filho. John faz fisioterapia quatro vezes por semana, e é Kel quem leva o filho de ônibus, empurrando a cadeira de rodas que quase não serve mais. "Por enquanto está dando para andar, mas já está bem pequena."
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