By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: Felippe Aníbal (Gazeta do Povo) – Imagem: Henry Milleo (Gazeta do Povo)
O aperto nas contas promovido pelo governo do Paraná no último trimestre de 2013 tem causado reflexos drásticos às forças policiais do estado. As mais de 450 delegacias da Polícia Civil estão operando sem recursos para manutenção desde outubro do ano passado. Sem receber os repasses do fundo rotativo – verba destinada à compra de itens básicos, como material de escritório, higiene e limpeza, combustível e comida para presos –, o pagamento a fornecedores está atrasado. Com as corporações no vermelho, delegados têm tirado dinheiro do bolso ou negociado a “pendura” das dívidas diretamente com os comerciantes.
O governo do estado confirma que a dívida soma R$ 4,7 milhões, referentes aos meses de outubro, novembro e parte de setembro. O repasse de dezembro deve ser feito ainda em janeiro. As despesas do fundo giram em torno de R$ 2,5 a R$ 3 milhões por mês. O valor destinado a cada delegacia varia de R$ 1,3 mil a R$ 40 mil, de acordo com o tamanho e o volume de trabalho de cada uma. As 246 delegacias localizadas em cidades que são sede de comarca recebem diretamente o dinheiro. As unidades menores recebem o recurso das comarcas a que estão vinculadas.
A Gazeta do Povo visitou delegacias e ouviu delegados de unidades especializadas, dois da região metropolitana e um do interior, além de um policial de um distrito da capital. Eles relatam que os reflexos do atraso passaram a ser sentidos de forma mais efetiva a partir de dezembro, quando credores começaram a cortar o fornecimento.
“Aqui, o serviço só não parou porque temos negociado diretamente com os comerciantes. Mas a verdade é que ninguém mais quer vender para a gente. Chega a ser constrangedor”, disse um delegado da região metropolitana.
Uma unidade especializada da elite da Polícia Civil chegou à beira do colapso. No fim do ano passado, faltaram produtos elementares ao dia a dia da unidade, como papel e cartuchos de impressora. Hoje, o delegado acumula notas fiscais de toners comprados por ele mesmo, para não deixar o serviço parar.
“Eu cheguei ao cúmulo de não conseguir imprimir um mandado de prisão por falta de tinta na impressora. A atividade de polícia judiciária estava parada. Tirei do bolso para manter o serviço”, desabafou.
Em outra delegacia da região metropolitana, após uma rebelião de presos, o delegado também teve de comprar, com o próprio dinheiro, cadeados para fechar as celas. “Era isso ou prendê-los com arame”, ironizou. Em pleno verão, chega a faltar água mineral nos distritos. Segundo o Sindicato dos Investigadores do Paraná (Sipol), se não fossem as “vaquinhas”, os policiais estariam bebendo água da torneira.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Polícia Civil confirmou o atraso, mas ressaltou que não houve impacto à atividade policial no estado.
Colaborou Diego Ribeiro
Atrasos limitam abastecimento e deixam pátios lotados de carros
Além do impacto dentro das unidades policiais, o atraso nos repasses do fundo rotativo também tem afetado o trabalho do lado de fora dos muros das delegacias e batalhões. Por conta da contingência, o abastecimento das viaturas foi limitado a 20 litros de combustível por dia. O conserto e manutenção dos veículos também estariam prejudicados, segundo entidades que representam os policiais.
A Associação de Defesa dos Direitos dos Policiais Militares (Amai) disse que o racionamento tem feito com que menos viaturas saiam às ruas em patrulhamento. O presidente do órgão, coronel Eliseo Furquim, relata que, por isso, o ritmo do policiamento ostensivo diminuiu.
“Os pátios estão cheios de carros. O campo de futebol do 12.º Batalhão virou estacionamento”, exemplificou. “Os contratos com as terceirizadas [empresa que fazem a manutenção das viaturas] foram vencendo e não foram renovados. Estragou [a viatura], encosta”, acrescentou.
Na Polícia Civil, viaturas de delegacias de Curitiba, Londrina, Maringá, Cascavel, Foz do Iguaçu, Ponta Grossa e Guarapuava abastecem em bombas da própria corporação. Segundo o Sindicato dos Investigadores do Paraná (Sipol), a limitação no abastecimento emperra as apurações e os policiais têm escolhido que casos vão investigar. “Algumas diligências deixam de ser feitas, porque esta cota [de combustível] não dá pra nada. O servidor começa a selecionar o trabalho a ser feito”, disse Roberto Ramires, presidente do sindicato.
Nas delegacias do interior (mais de 400), as viaturas enchem os tanques em postos conveniados, pagos com a verba do fundo rotativo. “Lá, só estão abastecendo porque os donos dos postos estão confiando. Mas os postos são pequenos. Aguentam três meses sem pagamento, mas não mais que isso. Há risco de cortes”, alertou o presidente do Sipol.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Polícia Civil informou que a cota é uma ferramenta administrativa, adotada para fins de gestão. Se necessário, as unidades podem ultrapassar a cota diária, segundo a corporação. A PM não se manifestou oficialmente.
Governo diz que vai liberar dinheiro “nos próximos dias”
O governo do Paraná sinalizou com um alento às forças de segurança do estado: o dinheiro do fundo rotativo deve ser liberado “nos próximos dias”. As assessorias de comunicação do governo e da Polícia Civil informaram que o atraso na liberação da verba ocorreu em razão de uma “reestruturação do fluxo de caixa” do estado, iniciada pela Secretaria de Estado da Fazenda em outubro do ano passado.
O governo nega que o atraso tenha ocorrido para garantir o pagamento do 13.° salário dos servidores estaduais. A Associação de Defesa dos Interesses dos Policiais Militares (Amai), no entanto, garante que no ano passado a Sefa justificou atrasos na liberação de verba para as unidades mencionando o 13.°.
Nos 39 batalhões da PM e 16 grupamentos do Corpo de Bombeiros os repasses foram normalizados em dezembro. Segundo a assessoria de imprensa da PM, “houve um pequeno atraso nos recursos para pronto-atendimento, mas todas as parcelas previstas foram liberadas”. A nota não esclarece se os recursos mencionados são os do fundo rotativo.
Um oficial da corporação afirmou que cada unidade da PM recebeu, em dezembro, R$ 50 mil para cobrir os gastos de manutenção. A verba veio acompanhada de uma recomendação: o dinheiro deveria ser gasto integralmente, por conta de aspectos burocráticos. “Houve essa determinação, porque uma devolução acarretaria desvio de finalidade”, disse o policial.
Além disso, outra dívida repercute nos bastidores da PM: as promoções dos policiais não vêm sendo pagas, segundo a Amai. “Têm várias ações judiciais em andamento neste sentido. Mas esperamos que essas promoções sejam pagas até fevereiro”, disse o presidente da entidade, coronel Eliseo Furquim.
Atrasos
A segurança pública não é o único setor com pagamentos em atraso.
Desde o fim de 2013, o governo pôs o pé no freio para fazer um
pente-fino nos contratos de serviços e de obras. O governo do estado
também havia atrasado o repasse de R$ 10 milhões do convênio que mantém a
integração do sistema de transporte, entre capital e região
metropolitana. Em dezembro, três das principais obras de mobilidade para
a Copa haviam sido paralisadas. Na área da saúde, ambulâncias do Siate
também deixaram de rodar por falta de combustível.
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