quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Nova lei dos agrotóxicos: o que o Lula vetou e a repercussão entre ambientalistas, ruralistas e a indústria

By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: G1 Imagem: Divulgação
Os vetos que o presidente Lula fez à nova lei dos agrotóxicos desagradaram a indústria e a bancada ruralista, principalmente por retirar do Ministério da Agricultura a centralização de alguns processos, como as reanálises de riscos e alterações nos produtos químicos. 
Os ambientalistas, que apelidaram o então projeto de lei de "PL do Veneno" até gostaram do que o presidente barrou, mas veem buracos e retrocessos que nem mesmo os vetos são capazes de resolver. Um deles é a redução do tempo de análise para a aprovação de um agrotóxico no Brasil.
A nova lei, sancionada no dia 28 de dezembro, foi considerada um meio-termo conquistado pelo relator no Senado, Fabiano Contarato (PT-ES), junto à bancada ruralista e alas progressistas, pondo fim a 24 anos de discussões.
Mas o texto não está totalmente resolvido: caberá ao Congresso manter ou não os vetos de Lula. A previsão é de que exista uma votação bicameral, em que Câmara e Senado vão decidir, juntos, se aceitam ou não as restrições. Isso após o recesso, que termina no próximo dia 2. 
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A decisão do presidente de barrar alguns pontos ocorreu após consultas a diversos ministérios, como o Meio Ambiente, Saúde e Trabalho. No total, o presidente Lula barrou 14 itens que, em resumo:

  • centralizavam no Ministério da Agricultura processos como a coordenação de reanálises de riscos e alterações nos agrotóxicos já registrados – excluindo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desses processos. Esses órgãos avaliam os riscos dos produtos para a saúde humana e o meio ambiente, respectivamente;
  • dispensavam as fabricantes de agrotóxicos de gravarem de forma indelével (que não pudesse ser apagado), o nome da empresa e a advertência de que o recipiente não poderia ser reaproveitado;
  • criavam uma taxa para a avaliação e registro dos agrotóxicos e excluíam as tarifas atualmente cobradas pelo Ibama e Anvisa por esses serviços.
A bancada ruralista já se articula para derrubar os vetos. “Nós temos votos para isso”, declarou o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), em suas redes sociais, logo após a sanção. 
Centralização na Agricultura
Cinco dos vetos estão relacionados a pontos da lei que estabeleciam o Ministério da Agricultura, como o único órgão responsável pelas:

  • reanálises dos riscos de agrotóxicos já aprovados;
  • avaliações das mudanças nos agrotóxicos no que diz respeito ao processo produtivo e alterações de matérias-primas.

➡️ Por que foram vetados? No texto, o presidente Lula justifica que os trechos são "inconstitucionais" por excluir a Anvisa e o Ibama desses processos. Desde 1989, o registro de agrotóxicos é feito em um modelo tripartite, ou seja, com Agricultura, Ibama e Anvisa participando das decisões em pé de igualdade.
“O órgão responsável pelo setor da agricultura não possui competência legal, nem especialização técnica, para avaliar riscos toxicológicos [à saúde humana] ou ecotoxicológicos, mas, apenas, a redução da eficiência agronômica de agrotóxicos", disse o presidente. 
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➡️ Qual foi a repercussão? A advogada Tchenna Maso, da organização não-governamental Terra de Direitos e Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), afirma que esses vetos foram importantes, apesar de entender que a nova lei, como um todo, é menos protetiva que a anterior, de 1989.
A Terra de Direitos é uma das entidades da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, que acompanhou toda a tramitação da nova lei. 
Ela lembra, por exemplo, do caso emblemático do paraquate, agrotóxico associado à doença de Parkinson, que foi proibido no Brasil em 2020 por causa de uma determinação da Anvisa.
O Ibama também se pronunciou em relação aos vetos, afirmando que, "se aprovado o texto original", o instituto e a Anvisa atuariam apenas em "mera complementação" à atuação da Agricultura.
Já a CropLife Brasil, associação que reúne os fabricantes de agrotóxicos, disse, em nota, que ficou "surpresa" com a decisão do presidente, apesar de enxergar avanços na nova legislação. 
Segundo a entidade, a liderança do Ministério da Agricultura "garantiria maior previsibilidade para o setor privado e eficiência para a administração pública", sem renunciar "aos rígidos critérios técnicos" da Anvisa e da Saúde.
"Quando falamos em previsibilidade para o setor privado, tratamos de segurança jurídica para investimentos em novas moléculas. Esses investimentos circulam na casa de US$ 500 milhões anuais em pesquisa e desenvolvimento realizados pela indústria, em uma corrida contra a evolução da resistência de insetos", disse a CropLife, em resposta ao g1.
A entidade acrescenta que a coordenação centralizada no Mapa poderia agilizar as análises. "Com o descompasso de prazos entre os três órgãos, o processo pode ser tornar mais demorado". 
Liberação de matéria-prima em reanálise
Outros dois vetos estão relacionados a artigos da legislação que autorizavam os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente a liberar pedidos de agrotóxicos e produtos de controle ambiental à base de uma matéria-prima em reanálise, mesmo antes da conclusão do processo.
➡️ Por que foram vetados? Para evitar exposição humana e ambiental a produtos em reanálise, afirma o texto da Presidência.
➡️ Qual foi a repercussão? Os ambientalistas viram como positivo esse veto, mas destacaram que o faltou proibir o comércio de agrotóxicos em reanálise. 
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A advogada da Terra de Direitos lembra de novo do paraquate, que ficou durante nove anos em reanálise (de 2008 a 2017) e que só foi banido do mercado em 2020. 
Embalagens de agrotóxicos
Um dos vetos foi para o trecho que dispensava as fabricantes de agrotóxicos de gravarem de forma indelével (ou seja, que não pudesse ser apagado), o nome da empresa e a advertência de que o recipiente não poderia ser reaproveitado.
➡️ Por que foi vetado? Segundo a Presidência, o objetivo foi evitar que as empresas se isentem da responsabilidade de garantir a destinação correta da embalagem. Além disso, visa prevenir que pessoas comuns reutilizem essas embalagens que, hoje, se enquadram na categoria de resíduos perigosos.
➡️ Qual foi a repercussão? O agrônomo Rogério Dias, da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), diz que o problema desse veto é que ele criou um buraco na lei.
Isso porque o trecho não retirava a responsabilidade das empresas de prestar essas informações na embalagem. Apenas as dispensavam de fazerem isso de forma que o escrito "não apagasse".
"Esse item foi vetado por causa do termo 'indelével'. Mas, como ele foi vetado inteiro, ficou sem obrigatoriedade de ter isso no balde", pontua Dias.
A CropLife explica que a gravação indelével é uma gravação em alto relevo, e reforça que "estranhou" esse veto.
"Antes da implantação do programa brasileiro de logística reversa de embalagens vazias de defensivos agrícolas [...] talvez fizesse sentido ter a marca indelével do fabricante na embalagem, mas, no atual sistema, a marca indelével do fabricante perdeu a função e não gera qualquer benefício adicional ao meio ambiente, apenas complexidade e custo operacional." 
O programa ao qual a entidade se refere é o Sistema Campo Limpo, gerido pelo Instituto Nacional De Processamento De Embalagens Vazias (InpEV). 
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"Desde 2002, o Sistema Campo Limpo [...] assegura a destinação ambientalmente correta de cerca de 93% das embalagens plásticas primárias (que entram em contato direto com o produto) e 80% do total de embalagens vazias de defensivos agrícolas comercializadas", afirma.
Taxas dos registros
Por fim, os últimos seis vetos criavam uma nova taxa para a avaliação e registro dos agrotóxicos e excluíam as tarifas já cobradas pelo Ibama e Anvisa por esses serviços. No novo sistema, os recursos arrecadados iriam para o Fundo Federal Agropecuário (FFAP), criado em 1962. 
➡️ Por que foi vetado? A Presidência considerou esses trechos inconstitucionais pelo fato de a lei não definir as alíquotas e uma base de cálculo.
➡️ Qual foi a repercussão? Para entrevistados, criar ou derrubar taxas demandam discussões à parte da lei dos agrotóxicos e estudos mais profundos que, inclusive, poderiam ser tratados dentro do atual debate sobre a reforma tributária, por exemplo.
"Fora que já existem leis que dizem que esses serviços devem ser taxados", comenta o agrônomo Rogério Dias, da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).
Ele se refere às taxas cobradas pelo Ibama e pela Anvisa das fabricantes de agrotóxicos por serviços, como registros, reavaliações, etc. 
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Já a CropLife viu como um retrocesso esse veto. Segundo a entidade, tratava-se de uma taxa unificada que destinaria recursos para investimentos em agências regulatórias e "maior fiscalização de defensivos químicos agrícolas".
O g1 também procurou a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) e a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), mas não houve resposta até a publicação desta reportagem. 

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