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INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: BBC BRASIL – Imagem: André Borges/EPAO STF rejeitou nesta quinta (21/09) a tese do marco temporal, que
delimitava a demarcação de terras indígenas somente para as regiões
ocupadas no ano de 1988, data da promulgação da Constituição Federal
vigente.
A
decisão é vista como uma vitória pelo movimento indígena, pois evita um
retrocesso, dizem, mas não significa que a disputa esteja encerrada e
que os direitos dos povos originários aos territórios estejam livres de
ameaças.
Isso pois ainda há possibilidade de o Congresso legislar sobre o tema.
"A
rejeição do marco temporal pelo Supremo é uma grande vitória", diz
Kléber Karipuna, coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil).
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Com
um placar de 9 votos a 2, a Corte entendeu que o direito dos povos
originários a territórios tradicionalmente ocupados não depende da
presença dos indígenas no local antes de 1988.
Diversos
territórios indígenas que foram tradicionalmente ocupados e com os
quais os povos possuem vínculos não estavam sob o controle dos indígenas
ou em disputa na data da aprovação do texto constitucional, mas foram
reocupados pelos povos originários em anos seguintes.
Para
o ministro Luís Roberto Barroso, não existe um "marco temporal fixo e
inexorável" para a ocupação dos territórios indígenas.
"A
ocupação tradicional também pode ser demonstrada pela persistência na
reivindicação de permanência na área, por mecanismos diversos", afirmou
Barroso.
Votaram
pela rejeição da limitação temporal para oficializar territórios
indígenas os ministros Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Alexandre de
Moraes, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar
Mendes e Rosa Mendes.
Votaram a favor do marco temporal os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça.
O
ministro Nunes Marques, que teve voto vencido a favor do marco
temporal, disse que o limite de data cria segurança jurídica para as
demarcações.
Já
o ministro André Mendonça afirmou que a inexistência de marco cria a
possibilidade de exigência de demarcação de áreas ocupadas em tempos
imemoriáveis.
A
rejeição do marco temporal aconteceu na decisão sobre uma disputa entre
o povo Xokleng e o Estado de Santa Catarina, mas tem repercussão geral,
ou seja, afeta todos os casos similares.
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"O
alcance da decisão vai muito além do caso concreto", afirmou o ministro
Dias Toffoli em seu voto. Além disso, a decisão vale para inúmeros
casos futuros de disputas sobre processos de demarcação.
Há
hoje 1,69 milhão de pessoas indígenas no Brasil, o equivalente a 0,83%
da população brasileira, segundo os dados já divulgados do Censo 2022 E
a maior parte dos indígenas — cerca de 63% — vive hoje fora dos
territórios indígenas oficialmente limitados.
Juristas indígenas: 'Não é o fim da ameaça'
Apesar
da decisão do Supremo, já foi aprovada na Câmara e tramita no Senado um
projeto de lei para estabelecer o marco temporal via legislação - algo
visto com preocupação pelos povos indígenas, apesar da vitória de hoje
para eles.
"Eu
não duvido que o Congresso Nacional queira continuar tirando uma queda
de braço com o Supremo Tribunal Federal", diz Maurício Terena,
coordenador jurídico da Apib.
Os
deputados que defenderam o projeto na Câmara vêem com antagonismo o
fato do STF estar julgando o temo. O relator do projeto de lei, deputado
Arthur Oliveira Maia (União-BA), defendeu que um marco temporal traria
"mais segurança jurídica para proprietários rurais". Arthur Lira (PP-Al)
reconheceu que o tema avançou rapidamente na casa por causa do
julgamento no STF.
“Tentamos
um acordo para que a gente não chegasse a este momento", disse Lira.
“Nós não temos nada contra povos originários, nem o Congresso tem e não
pode ser acusado disso. Agora, nós estamos falando de 0,2% da população
brasileira em cima de 14% da área do país", completou, segundo
informações da Agência Câmara de Notícias.
Caso o Congresso aprove uma lei estabelecendo um marco temporal, o mais provável é que o assunto volte ao Supremo.A
decisão de hoje fortalece a ideia de que uma lei comum não poderia
tratar do tema, que é um direito garantido na Constituição.
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"Ainda
existe uma possibilidade forte de a bancada ruralista se movimentar e
em resposta ao Supremo tentar trazer algo novo via PEC", afirma Kleber
Karipuna.
"Vamos continuar alertas em relação a isso para que não tenhamos nenhuma regressão aos direitos dos povos indígenas."
Mesmo uma PEC poderia ser questionada na Justiça.
Se
o Supremo entender que o direito aos territórios independentemente de
limite de data para a ocupação é uma cláusula pétrea, o tema não poderia
ser alterado nem mesmo por uma PEC.
Uma lei sobre marco temporal também poderia ser vetada pelo presidente, mas juristas indígenas acreditam que isso é improvável.
A questão da indenização
Mesmo com a decisão contra o marco temporal, ainda há uma questão a ser decidida no julgamento desta quarta.
Estão
em disputa duas visões sobre a possibilidade de indenização de
não-indígenas que ocupam terras indígenas que venham a ser demarcadas.
A
questão da inde
nização para os posseiros de terras não estava no caso
concreto sendo julgado, explica o advogado Rafael Modesto, que defendeu
os Xokleng no caso específico julgado pelo Supremo.
Ela
foi trazida no voto do ministro Alexandre de Moraes, que defende que
seja estabelecida uma compensação como condição prévia para as
demarcações.
Segundo
lideranças indígenas, a indenização nesses moldes tornaria inviáveis as
demarcações, já que a União não teria orçamento para fazer as
compensações em todos os casos de disputa.
Após o voto de Moraes, as organizações indígenas entraram com uma interpelação argumentando contra esse entendimento.
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"Na
época do fim da escravatura os senhores de escravos queriam ser
indenizados por perderem as suas mãos de obra escrava. Talvez a gente
esteja diante de um julgamento tão simbólico e civilizacional para o
país que novamente se decide se os escravocratas invasores de terras
públicas terão direito a sua indenização", diz Maurício Terena.
A
outra visão foi trazida pelo ministro Cristiano Zanin, que afirma que a
oficialização das terras indígenas não pode depender de indenização
prévia de posseiros.
O
ministro defende que posseiros de boa-fé que ocuparam terras da União
sem saber que se tratavam de áreas indígenas podem até ter direito a
indenização, mas ela não estará vinculada à demarcação.
Ou
seja, eles precisarão entrar com um processo judicial à parte para
serem compensados pela União e a demarcação não depende da existência
nem do resultado desse processo.
Para grupos do movimento indígena, esse seria um meio-termo aceitável.
Isso
porque, nesse entendimento, os posseiros não teriam direito de
propriedade sobre as terras indígenas e os eventuais títulos de
propriedade que tenham recebidos foram atos ilegais.
A
compensação seria pela atuação irregular da União ao conceder uma área
que não poderia ser transferida. E também por eventuais benfeitorias
(melhorias) no território feitas pelos invasores.
"Essa
decisão traria um equilíbrio se viesse a beneficiar principalmente
pequenos agricultores que ocupem área indígena de boa-fé", explica o
advogado Rafael Modesto, que defendeu os Xokleng.
"Então
ele teria além do direito à indenização das benfeitorias feitas na área
de uma indenização por ato ilícito do Estado ou da União. Mas essa
compensação não seria dentro do processo de demarcação, mas seria
necessário um processo administrativo próprio", diz Modesto.
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O
relator do caso, ministro Edson Fachin, disse em seu voto que os
"direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” não
depende da existência de um marco temporal nem de um conflito ou
controvérsia judicial na data da promulgação da Constituição.
Segundo
ele, o processo demarcatório deve ser definido por tradicionalidade da
ocupação, verificada por laudo antropológico, não por marco temporal.
Fachin
afirma ainda que a ocupação tradicional indígena é diferente da
propriedade civil, pois precisa abranger não só a terra habitada, mas a
usada para atividades produtivas, a terra imprescindível à preservação
dos recursos ambientais necessários para seu bem estar, além das
necessárias à sua reprodução física e cultural.
"A
função econômica da terra (indígena) se liga, visceralmente, à
conservação das condições de sobrevivência e do modo de vida indígena,
mas não funciona como mercadoria para essas comunidades”, afirmou o
relator.
O
ministro Dias Toffoli também entende que a Constituição não estabelece
marco temporal para oficializar territórios indígenas e afirma que a
Corte faz, com a votação, a "pacificação de uma situação histórica".
O
ministro Luis Roberto Barroso, que também votou contra o marco
temporal, afirmou que, em casos em que a comunidade indígena foi forçada
a se afastar da área de ocupação tradicional, ela pode comprovar o
vínculo cultural com laudos antropológicos.
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