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INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: G1 – Imagem: Divulgação Nesta primeira etapa, que ganhou o apelido de "Roda América", ele ficou fora de casa por quatro anos.
Na época, sua companheira era uma bike tradicional de alumínio chamada
Capitu, que foi roubada no Rio de Janeiro pouco tempo depois de ele
retornar ao Brasil.
"Foi bem traumático. Eu brinco que foi igual quando o Tom Hanks perdeu o Wilson em Náufrago", conta ele à BBC.
De volta ao país, ele tentou retomar uma vida "normal" e começou a
cursar sociologia. Porém, não se encaixava mais nos padrões tradicionais
de uma empresa ou vida, como ele mesmo define.
Como sempre curtiu experiências diferentes, pensou que poderia voltar
às viagens ao lado de outra "magrela", só que dessa vez ela seria feita
de bambu.
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Ele descobriu o meio de transporte depois de ver um homem andando na
rua e teve a curiosidade em perguntar como a bicicleta funcionava.
"Ele construía esses tipos de bicicleta e ainda as fazia sob medida. Dá
para deixar o bambu mais claro, mais escuro e do jeito que você quer.
Mede sua perna e tudo. Encaixa como uma aliança".
Ao ficar pronta, ela foi batizada como Dulcineia.
Em 2016, depois de receber a bike, seguiu para mais uma viagem de um
ano e meio pelo continente africano, começando na Cidade do Cabo, África
do Sul, e terminando em Alexandria, no Egito.
Ao todo, somando as duas jornadas, ele já pedalou mais de 50 mil
quilômetros. "Ela se mostrou resistente e sempre a levei em extremos
muito fortes. Ela absorve o impacto", diz.
Início da jornada pelas Américas
Mesmo exigindo muito esforço ao pedalar, o carioca já tinha
familiaridade com ciclismo, pois se locomovia de bicicleta diariamente
ao trabalho.
Quando decidiu deixar o Brasil, Ricardo nunca havia saído de bicicleta da cidade do Rio de Janeiro.
Como já tinha conquistado sua primeira meta de vida, que era
proporcionar mais conforto à família, ele decidiu viajar de bike pelo
continente, justamente por ser algo desafiador.
Sua bicicleta funciona quase como uma casa, onde ele armazena barraca, fogareiro e saco de dormir.
Ao decidir ir para América do Sul, ele saiu do bairro da Penha, na zona
norte do Rio de Janeiro, seguiu até o Mato Grosso do Sul e chegou à Bolívia.
Para sua surpresa, ao chegar no país vizinho, ele foi roubado.
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"Naquela
época eu não colocava dinheiro no banco e não era fácil como hoje.
Perdi quase tudo e fiquei com sete dólares", relembra.
Como tinha que se virar e recuperar o dinheiro para seguir com a
viagem, ele começou a prestar consultoria de marketing e outros serviços
para o Ministério do Turismo de La Paz. A partir daí, se estruturou
financeiramente.
Ainda na Bolívia,
o viajante se contaminou com salmonella (infecção por bactéria) duas
vezes e também foi diagnosticado com febre tifoide. "Não podia tomar
remédio nenhum por causa da hepatite no sangue e fígado. Fiquei no soro
por duas semanas. Quase morri", diz.
Durante os quatros anos em que esteve na América do Sul, Ricardo teve muitos imprevistos. Enquanto estava na Argentina,
se apaixonou por uma mulher e quis ficar mais no país. No entanto,
acabou quebrando o joelho lutando taekwondo. Para se recuperar, precisou
fazer três cirurgias. Mesmo diante dessas adversidades, ele conta que
se a viagem não tivesse sido dessa forma, não teria muito encanto.
Na estrada, ele conta que passou a acreditar mais na raça humana e que é
possível encontrar pessoas sem interesse. "A hospitalidade sempre
existe", conta.
E mesmo sendo no mesmo continente, o sociólogo afirma que há muitas
diferenças entre os países. "Quando você muda de continente, tudo muda. A
Bolívia foi o
lugar mais diferente que eu tive oportunidade de conhecer. Tem uma
identidade nacional muito forte. Tem montanha, povos andinos, cidades
incríveis e uma história latinoamericana fantástica."
África em uma bicicleta de bambu
A escolha pela África como destino seguinte ocorreu devido à
curiosidade motivada pelo pouco conhecimento sobre o continente ,
segundo Ricardo. "Eu pensei qual continente eu era mais ignorante", diz.
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Quando precisou parar para arrumar o pneu de sua bicicleta em frente a
uma das favelas mais perigosas do país, levou um susto: um homem armado
veio em sua direção e o assaltou. "Ele levou dinheiro, meu kindle e meu
computador", relembra.
Por causa disso, teve que mudar os planos de viagem e como ainda
faltavam 15 mil quilômetros no roteiro, pensou como poderia reaver o
dinheiro.
Ele escolheu trabalhar em um bar em Zanzibar, na Tanzânia, por alguns
meses. "Zanzibar parece (as ilhas) Maldivas. A África tem uma quantidade
de surpresas na minha vida", diz. Na ilha, Ricardo também teve alguns
problemas, que hoje ele relembra dando risada e com entusiasmo.
Uma vez enquanto dormia numa casa de palha se viu no meio de um
incêndio. Os moradores limpavam o quintal usando fogo, uma fagulha
atingiu sua casa e rapidamente começou a queimar tudo.
Devido ao incidente, precisou abrir uma "vaquinha" no site apoia.se e seguir produzindo conteúdos de viagem.
A iniciativa deu certo e a comunidade foi crescendo e o ajudando
durante todo o roteiro. Ele criava vídeos e posts para as redes sociais
somente com o celular e um teclado bluetooth.
Mesmo tendo alguns problemas durante a viagem, o sociólogo conta que a jornada teve mais pontos positivos do que negativos.
Ricardo afirma que pôde ver de perto a realidade do país africano e desmistificar alguns estereótipos.
Em Moçambique,
por exemplo, se surpreendeu com a hospitalidade de alguns policiais que
o ajudaram e não foram corruptos em nenhum momento — o país tem fama de
ter uma das polícias mais corruptas do mundo, diz Ricardo.
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Na Etiópia
também conseguiu ver melhor o país além da pobreza. Ricardo conta que o
lugar tem paisagens incríveis e que o povo é muito receptivo.
Já no Quênia
conheceu o deserto de Turkana, local que revela muito sobre a história
da humanidade. Muitas vezes, a temperatura chegava a 52 graus.
"Psicologicamente é muito difícil aguentar, mas fisicamente não. Eu
bebia 10 litros de água e fazia soro caseiro para beber e não
desidratar", diz.
Após um ano e quatro meses viajando pelo país, ele encerrou a viagem no
Egito e foi recebido pelo embaixador do Brasil no país. "Ele me recebeu
de terno e eu havia perdido dez quilos e estava com um buraco no
tênis", brinca.
Durante os anos que levou planejando suas viagens, Ricardo desenvolveu
trabalhos de sustentabilidade e mobilidade, palestrou em alguns países e
realizou pesquisas acadêmicas à distância — por isso era conhecido por
autoridades internacionais.
Do calor do deserto para o gelo na Europa
Depois de encerrar seu trajeto na África, ele resolveu encarar as
temperaturas negativas da Europa. Dessa vez, também iria explorar o
continente de uma ponta a outra.
Todos os dias ele pedalava em média 100 quilômetros e agora precisava
lidar com a neve. Como não tinha materiais próprios para o gelo, pensou
como poderia ganhar dinheiro para se manter e comprar acessórios para
baixas temperaturas.
Por sorte, foi convidado para palestrar em uma empresa europeia e
recebeu um ótimo pagamento, que foi suficiente para comprar roupas e
outros equipamentos térmicos. "Foi a primeira vez que eu tive um inverno
rigoroso. Qualquer erro custa sua vida", reforça.
Ricardo lembra que chegou a pegar temperaturas abaixo de 20 graus e que, às vezes, se preocupava.
"Fiquei três meses no Reino Unido, passei o inverno na Escócia e no País de Gales. Eu acampava debaixo de neve."
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Ainda durante o trajeto, sentiu a necessidade de retribuir o que já havia ganhado ao longo desse tempo na estrada.
Quando ainda estava na Europa, pediu recursos para a comunidade de
seguidores que o acompanhavam e comprou 100 pares de sapatos para
refugiados que faziam o trajeto entre as fronteiras a pé.
O intuito era comprar botas resistentes para temperaturas negativas.
"Fiz por meio de uma ONG e consegui arrecadar dinheiro para 115 pares de
sapatos", conta.
Do mundo para Queimados, no Rio de Janeiro
De volta ao Brasil, Ricardo estava trabalhando no INEA (Instituto
Estadual do Ambiente) e um de seus colegas na empresa disse que a cidade
de Queimados, na baixada fluminense, havia sido ranqueada como a mais
violenta do país. Isso intrigou o sociólogo, que desejou mudar essa
realidade de alguma forma.
Ele procurou líderes na cidade e teve a ideia de incentivar uma
transformação social por meio da bicicleta. Foi então que organizou um
workshop na comunidade para mostrar como era possível criar bikes de
bambu.
Ele criou o Pedala Queimados, que atua para criação desses meios de transporte e ainda gera renda para os moradores.
Para testar a prática, eles escolheram ex-presidiários, donas de casa,
pessoas que saíram de abrigos e outros indivíduos em situação de
vulnerabilidade.
Para adquirir recursos, criaram um crowdfunding (financiamento
coletivo) e com o dinheiro arrecadado conseguiram comprar um terreno
para as reformas e criação de novas bicicletas.
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Eles ainda arrecadam bicicletas de condomínios da zona sul do Rio de
Janeiro, fazem reparos para deixá-las ainda mais novas e servir de meio
de transporte para entregadores de aplicativos de comida.
Ricardo encabeçou o projeto, mas treinou outros líderes para tocar e dar andamento à ideia, mesmo estando fora do Brasil.
Hoje, ele vive com sua esposa na cidade do Cairo, no Egito, e pretende
pedalar com a Dulcineia mais uma vez pelo mundo, só que dessa vez o
destino será o continente asiático.
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