By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: G1 – Imagem: BBC
Com uma área de 14 milhões de quilômetros quadrados - uma vez e meia
maior do que a do Brasil - quase totalmente cobertos com uma camada de
gelo de 2,1 quilômetros de espessura em média (mas que em alguns pontos
pode chegar a quase cinco quilômetros), e mais 20 milhões de quilômetros
quadrados de mar congelado no inverno e 1,6 no verão, a vastidão gelada
da Antártida é um ambiente extremo. Mas por isso mesmo, é uma região
propícia para o surgimento e evolução de espécies únicas, com
metabolismos exóticos, que aumentam as chance de desenvolvimento - e
descoberta - de novas substâncias, que podem dar origem a novas drogas
para o tratamento de várias doenças, entre elas o câncer.
Foi justamente o que descobriu o pesquisador Leonardo José Silva, da
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade
de São Paulo (USP), em Piracicaba, ao estudar bactérias que vivem na
gramínea Deschampsia antarctica, que só existe na Antártida.
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Ele viajou
para o continente entre novembro e dezembro de 2014 com um grupo de
outros pesquisadores brasileiros. Ali, coletou pequenas amostras de
solo, acondicionou as amostras em sacos plásticos herméticos e as
guardou em um ultrafreezer, a - 80 ºC (negativos).
Depois, ao estudar as bactérias na gramínea, constatou que várias delas
produzem compostos capazes de inibir o desenvolvimento do glioma (um
tipo de câncer que ocorre no cérebro e na medula espinhal), tumores na
mama e no pulmão. A pesquisa toda foi realizada entre fevereiro de 2014 e
julho de 2018.
A viagem de Silva foi de prospecção - no caso dele, de busca por
compostos bioativos. Segundo ele, as atividades de prospecção podem ser
realizadas em qualquer ambiente.
"No entanto, as chances da descoberta
de novas substâncias, capazes de auxiliar o desenvolvimento de fármacos,
controladores biológicos de pragas agrícolas ou mesmo enzimas para
promover o benefício a um determinado processo industrial, são
aumentadas quando procuramos em um local pouco explorado, como por
exemplo o continente antártico", diz.
Isso ocorre porque aquela região inóspita concilia fatores importantes
para o estabelecimento de vias metabólicas inusitadas, como, por
exemplo, condições ambientais extremas, baixo fluxo gênico, espécies
endêmicas (que só existem lá) e pouca influência humana, que podem
favorecer a produção de substâncias de importância biotecnológica.
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Silva pesquisou o microbioma associado à rizosfera (região onde o solo e
as raízes das plantas entram em contato) da gramínea na Ilha Rei
George, localizada na Península Antártica.
O objetivo do trabalho do pesquisador da Esalq era descobrir e
selecionar linhagens de actinobactérias (grupo bacteriano versátil na
geração de compostos bioativos), capazes de produzir substâncias
eficientes em controlar o desenvolvimento de tumores humanos.
Como resultado da sua prospecção, o pesquisador identificou cinco novas
espécies, entre as quais a Rhodococcus psychrotolerans, cuja descrição
foi publicada recentemente no periódico internacional Antonie van
Leeuwenhoek.
Além disso, foram isoladas 72 linhagens desse grupo bacteriano e criada
uma "biblioteca" contendo 42.528 clones. "Como consequência das
atividades de pesquisa, obtivemos uma coleção de actinobactérias
produtoras de compostos antitumorais, as quais poderão ser exploradas em
maior profundidade por meio de parcerias entre centros de pesquisas
públicos ou pela iniciativa privada", diz Silva.
"A razão pela qual empenhamos nossos esforços para a obtenção de
compostos ativos é contribuir com o desenvolvimento de tratamentos para o
câncer, de forma a prover maior expectativa de vida para pacientes."
Em relação à produção de compostos antitumorais, duas linhagens
descobertas por Silva apresentaram pronunciada atividade contra o
desenvolvimento de cânceres de glioma, pulmão e mama, e portanto foram
selecionadas para os trabalhos de caracterização dos constituintes
bioativos.
As substâncias cinerubina B e actinomicina D, identificadas,
respectivamente, no extrato bruto das linhagens CMAA 1527 e CMAA 1653
das bactérias encontradas por Silva, já são conhecidas por apresentarem
atividades antitumorais. Ou seja, já são usadas em inúmeros fármacos
para o tratamento de cânceres. Apesar disso, os resultados do trabalho
do pesquisador da USP representam uma importante contribuição científica
ao país, dado o valor de marcado delas. Cada 100 mg de actinomicina D,
por exemplo, custa aproximado de R$ 14 mil.
A pesquisa de Silva se insere em um contexto mais amplo, no qual o
aumento do número de casos de câncer tem atraído a atenção da comunidade
científica de todo o mundo e impulsionado as buscas por novas
estratégias e drogas para o tratamento da doença. "Nesse sentido,
substâncias obtidas a partir de micro-organismos e plantas estão entre
as mais promissoras, representando aproximadamente 60% dos agentes
antitumorais aprovados para uso nas últimas décadas", afirma.
Segundo Silva, a descoberta e a identificação da atividade antitumoral
dos compostos em células de cânceres cultivadas em laboratório é o
primeiro passo para o desenvolvimento de um novo medicamento de uso
clínico. "Os próximos estágios são testes in vivo (com animais),
modificações estruturais para manter sua atividade e evitar efeitos
danosos em células não doentes, testes da dosagem ideal e do
encapsulamento das substâncias e, por fim, os ensaios em seres humanos",
explica.
Mas o trabalho de Silva ainda não se encerrou. "Tendo em vista que
apenas duas linhagens descobertas foram exploradas, e que temos mais 15
outras produtoras de compostos anticâncer sem qualquer informação
adicional, tenho como principal interesse estudá-las, em busca de novos
compostos bioativos", afirma.
Outro objetivo é dar continuidade aos ensaios iniciados por meio de
parcerias eficientes em testes clínicos, dosagens de medicamentos e
modificações estruturais das substâncias produzidas para redução de
citotoxicidade (danos que as substâncias podem causar às células sadias)
e aumentar a especificidade sobre o alvo (os tumores), isto é, fazer
com que as novas drogas ajam apenas contra as células cancerosas.
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