By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: UOL – Imagem: Alexandre Manfrim (Ministério da Defesa)
O orçamento limitado pelo teto de
gastos públicos até 2037 e as demandas reprimidas podem ampliar a obsolescência
das Forças Armadas, afirma o Ministério da Defesa no sumário executivo do
documento "Cenário de Defesa 2020-2039", ao qual o UOL obteve acesso.
A reportagem também ouviu oficiais das Forças, que demonstram preocupação com a
contenção de recursos.
A publicação embasa o planejamento
estratégico da pasta e das Forças Armadas e, para tanto, comenta situações
ligadas à segurança e à defesa do Brasil e projeta possíveis desdobramentos. O
texto é também um dos componentes que fundamentam a Política e a Estratégia
Nacionais de Defesa.
"As demandas reprimidas por
décadas, bem como a limitação orçamentária impostas pelo Novo Regime [Fiscal]
ampliarão a obsolescência e inviabilizarão a configuração das atuais Forças
Armadas em padrões de potência militar de médio porte [como França, Reino
Unido, Alemanha, por exemplo]. Como consequência das restrições orçamentárias,
haverá necessidade de as Forças Armadas priorizarem atividades e
capacidades", afirma o documento.
O Novo Regime Fiscal citado pela
pasta é o teto de gastos públicos pelos próximos 20 anos, ou seja, até 2037,
promulgado pelo Congresso em dezembro de 2016. As novas regras determinam que o
governo não pode gastar mais do que o gasto do ano anterior corrigido pela
inflação do IPCA (índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Orçamento crescente, mas insuficiente
Nos últimos cinco anos, segundo
dados do portal Siga Brasil, do Senado Federal, o orçamento do Ministério da
Defesa aumentou, embora às vezes apenas na proporção do crescimento do PIB
(Produto Interno Bruto) brasileiro, e não na medida desejada pela pasta.
Para 2018, o governo federal
planeja repassar R$ 100,7 bilhões ao ministério, mas é comum haver
contingenciamentos e rearranjos financeiros.
A maior parte do orçamento de cada
ano é dedicada ao pagamento de pessoal e encargos sociais. Somente no ano
passado, esse tipo de gasto consumiu R$ 70,7 bilhões. Ou seja, representou
76,6% do orçamento total. Já os recursos voltados a investimentos foram na
ordem de R$ 8,1 bilhões – correspondentes a 8,7% do total. Em 2016, o
ministério gastou R$ 64,4 bilhões em pessoal e R$ 9,2 bilhões em investimentos.
Defasagem tecnológica
Na avaliação do Ministério da
Defesa, no documento, além de agravar a insuficiência orçamentária, o teto de
gastos impactará projetos que visam recuperar a capacidade operacional e
modernizar as Forças.
"Devido a perspectivas
orçamentárias, é provável que haja continuidade da atual situação das Forças
Armadas, apenas com melhorias pontuais", afirma.
A limitação de equipamentos
continuará condicionando a capacidade operacional, provocando reflexos negativos
no adestramento das Forças e na atração, retenção e motivação de seus recursos
humanos. A obsolescência de equipamentos provavelmente funcione como
desestímulo à atração e retenção na carreira militar. E, provavelmente, não
sejam disponibilizados recursos necessários à capacitação das Forças Armadas
para controlar o espaço aéreo, o território e as Águas Jurisdicionais
Brasileiras"
Ministério da Defesa
O documento elaborado pela Defesa
também alerta que os sistemas de comunicações e informações continuarão
defasados e vulneráveis. O texto diz que as tecnologias brasileiras
provavelmente permanecerão "aquém" das necessidades militares e
ressalta componentes da guerra moderna. Como exemplo, cita a exigência de
satélites, computadores, redes, materiais compostos, laser, sistemas de
guiagem, sensores, explosivos, entre outros, no "estado da arte".
Alguns dos principais programas das
Forças Armadas incluem o desenvolvimento de submarinos convencionais e de
propulsão nuclear, aviões cargueiros KC-390 pela Embraer, blindados Guarani e
do sistema integrado de monitoramento de fronteiras, além da compra dos caças
suecos Gripen.
Limitação de atividades e "desequilíbrio" orçamentário
Um general do Exército ouvido pelo
UOL afirma que, após descontadas as despesas, o dinheiro que sobra para
investimentos é pouco. Segundo a fonte, os equipamentos necessários para
operações de guerra moderna, além da manutenção de missões de GLO (Garantia da
Lei e da Ordem) em áreas densamente populosas com blindados que protejam as
tropas e armas que não causem danos excessivos, demandam grandes investimentos
e a longo prazo.
"A obsolescência é uma questão
matemática com o [regime de] orçamento de agora. A questão é muito presente e
preocupante no meio militar", afirma.
Outro oficial ouvido pela
reportagem relata que o impacto já resulta na diminuição de missões de
transporte logístico da Aeronáutica para suprir populações de áreas remotas na
Amazônia e na redução de horas de voo. A falta de dinheiro, complementa, não
afeta somente atividades de grande escala, mas também as que podem ser
consideradas banais, como a utilização de impressoras.
"O transporte de órgãos pela
Aeronáutica só continuou a ser feito por causa do decreto do [presidente da
República, Michel] Temer [que determina a disponibilidade permanente de uma
aeronave em Brasília para a ação]. Senão não ia dar para continuar. Não é que a
Aeronáutica não queira, mas é porque não ia ter como pela redução das horas de
voo para economizar", afirma.
Um terceiro oficial reconhece a
importância da lei do teto de gastos, mas questiona os efeitos negativos que
podem impactar a manutenção. "Sem munição e combustível, as Forças Armadas
não funcionam. E essas são apenas despesas básicas de custeio. O vai acontecer
é que com o teto [de gastos], se não tiver uma racionalização muito grande, as
Forças Armadas vão só subsistir", relata.
"No momento, a tendência é que
o percentual de investimento diminua ainda mais. Por exemplo, ou faz o
submarino nuclear ou deixa de investir na renovação da frota naval. Não tem
como atender a todos os projetos. Algum vai ter que ficar com menos
dinheiro", complementa.
O professor de Relações
Internacionais da UnB (Universidade de Brasília) Juliano Cortinhas, que tem
foco em segurança e defesa nacional, avalia que o orçamento é
"sempre" limitado e que o maior problema é o desequilíbrio nas
contas. Para ele, a questão orçamentária da Defesa passa pela priorização de
projetos e redução de pessoal.
Cortinhas diz que o Ministério da
Defesa é uma instituição fraca perante as Forças Armadas e que estas tomam a
maioria das decisões orçamentárias, o que é inadequado para o professor.
"O Ministério da Defesa não faz a indicação do que considera prioritário
como estratégia. Em países mais fortes e com maior poder de defesa, há uma centralidade
orçamentária na pasta", diz.
Em relação ao gasto com pessoal,
Cortinhas diz que a proporção dedicada a salários e demais despesas
obrigatórias é "exorbitante".
"A Otan [Organização do
Tratado do Atlântico Norte] recomenda que o gasto com pessoal seja de até 40%,
porque as guerras hoje em dia são focadas em tecnologias. O tempo de guerras
com avanço de tropas passou. O Brasil não investe em alta tecnologia porque não
sobra dinheiro para isso", declara.
Estudos para a aplicação mais intensiva de equipamentos
que possibilitem a dispensa de parte de militares de patentes mais baixas estão
em curso. No entanto, apesar de mudanças organizacionais promovidas pelas Três
Forças, ainda não há uma resolução definitiva.
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