By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: UOL – Imagem: Divulgação
A
prática tem se tornado mais frequente: cidadãos confrontam nas ruas e em
espaços públicos políticos acusados ou investigados por corrupção e, depois,
compartilham a abordagem nas redes sociais. Mas isso é uma manifestação legal e
legítima do ponto de vista do direito, da ciência política e da ética? A
reportagem do UOL ouviu sete entrevistados para comentar o caso.
Em
comum, os ouvidos apontam a falta do sentimento de representatividade da
população com relação à classe política e afirmam que esse comportamento pode
ser excessivo --e até crime.
Ocaso mais recente envolveu o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que viajava em um
voo de Brasília para São Paulo, na última quarta-feira de novembro. Com um
telefone celular em mãos e gravando a cena, a passageira interpela o presidente
do PMDB e alvo de investigações na Operação Lava Jato: "O senhor conseguiu
estancar a Lava Jato, foi? Salvou seus amigos canalhas?", perguntou.
Era
uma alusão à frase do senador sobre "estancar a sangria" gravada em
conversa com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. O
"estancar" seria interromper as investigações mediante um
"grande acordo nacional", que incluiria o impeachment de Dilma
Rousseff (PT).O vídeo da passageira foi publicado na página pessoal dela no
Facebook e repercutiu. O senador disse que iria processá-la.
O cidadão pode ser processado?
Renato
Opice Blum, advogado e coordenador do curso de direito digital do Insper-SP,
afirma que incidentes a exemplo do constrangimento de Jucá podem se
caracterizar como abuso de direito e se tornar ato ilícito.Isso é tratado
especificamente no artigo 187 do Código Civil, que diz: "Também comete ato
ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes".Opice Blum diz que o caso também pode ser enquadrado nos artigos
12 a 21 do capítulo 2 do Código Civil, que garantem os "direitos da
personalidade".
"O
abuso de direito é quando a pessoa passa um pouquinho, por exemplo, do direito
que teria de filmar a outra, de conversar com ela. Usa esse direito de forma
abusada e exacerbada. Percebe-se que ali o propósito é outro: é incomodar,
azucrinar, para que a pessoa perca a paciência", descreve.
Se a
ação do cidadão for considerada ilícita, ele poderá ser condenado a pagar
indenização e proibido de repetir o ato, quando configurado como prática
contumaz ou repetitiva. Essa prática seria, por exemplo, a de hostilizar um
político recorrentemente.
O
cálculo da indenização, a ser feito por um juiz, levaria em conta a proporção e
o alcance do fato em si e a capacidade econômica dos dois lados da questão, com
fins de inibir nova conduta delituosa.
"Legítima
defesa da cidadania
"Para
o jurista Wálter Maierovitch, entretanto, a reação da população nas ruas contra
políticos não deve ser tratada como caso de polícia nem de Justiça.
"São
manifestações em legítima defesa da cidadania. Mostram como se tornou abissal a
distância da relação entre representante [político] e representado
[população]", aponta. "Os políticos em geral conseguiram perder sua
legitimação.
"Segundo
Maierovitch, embora o cidadão possa ser alvo de processo até com base na
legislação que tipifica os crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria,
previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal), ele poderá reagir. E, na
mesma ação judicial, pedir "a exceção da verdade", que significa
dizer que pode provar as acusações que fez de que tal político é de fato corrupto,
por exemplo.
Para
o jurista, entretanto, as ameaças de processo por políticos são mais "jogo
de cena", para sugerir que são inocentes e estão indignados.
"Limites
da privacidade ainda não estão claros"
Michael
Mohallem, professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro, da FGV (Fundação
Getulio Vargas), pondera dizendo que a privacidade de pessoas públicas em geral
está menos protegida juridicamente do que a de cidadãos comuns. Mas, no caso
específico de políticos, "os limites da privacidade ainda não estão
claros".
Sobre
o episódio com Jucá, Mohallem pontua que o político não se encontrava em
ambiente de trabalho, no Congresso Nacional, por exemplo, e talvez aquele
espaço, o de uma aeronave, não fosse o mais adequado para o protesto acontecer.
"Jucá
nem podia sair dali, por se tratar de um avião, diferentemente de abordagem em
um restaurante, de onde a pessoa pega e sai, fugindo do constrangimento",
compara. "Por ser democracia, as pessoas são livres para se expressar até
agressivamente? Ainda não se chegou a delimitar os casos.
"Entretanto,
ele diz que a "exacerbação" das discussões nas redes sociais "às
vezes se capilariza para as ruas e potencializa a ira". Desse ângulo, diz,
tende a se solidarizar com a manifestação da pessoa.
"Políticos não estão ouvindo a
população"
Rogério
Chequer, coordenador do movimento da sociedade civil
Vem
pra Rua, que organizou protestos pelo impeachment de Dilma e contra a corrupção
da classe política, avalia que a crise mesmo é de "falta de
representatividade".
"Os
políticos tomam suas decisões sem ouvir a população e não podem reclamar da
cobrança, da opinião contrária que recebem quando a população os encontra pelas
ruas", defende.
Para
Chequer, manifestações que obedeçam aos "limites do respeito, da não
violência, são bem-vindas". "Eles [políticos] precisam estar abertos
e dispostos a dialogar com a sociedade, faz parte do cargo. Não se justifica
essa recusa ao diálogo.
"O
sociólogo Wagner Tadeu Iglecias, professor do curso de gestão de políticas
públicas da USP (Universidade de São Paulo) Leste, também analisa a
multiplicação da hostilização a políticos como reflexo do desgaste da imagem e
do alheamento da classe em relação ao dia a dia do eleitor.
"A
classe política vive num outro universo, muito diferente do da população. As pessoas
estão cansadas dela, das denúncias de corrupção e da má qualidade dos serviços
públicos, sobretudo a classe média e alta, que julga pagar impostos demais sem
retorno", descreve.
"Juntando
tudo isso, resulta a revolta da população comum. [Manifestação como a feita
contra Jucá]
É o
que o cidadão parece ter no momento."
Hostilizar
políticos muda a cultura política?
Iglecias
vê legitimidade nos protestos, mas diz ter dúvidas sobre a efetividade deles.
"É claro que se consegue o constrangimento [dos políticos], mas será que
isso muda a cultura deles?
"Para
Roberto Romano, professor de filosofia e ética da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas), essa hostilização "é prática lamentável" e não
muda nada.
"A
estrutura de governança e de poder não se modifica com essas manifestações,
porque elas são periféricas. A pessoa simplesmente extravasa o seu sentimento
de raiva e não muda a relação objetiva de poder. Essa é uma ação pré-política,
não é política.
"Exemplifica
Romano: "Depois desse escracho, o Jucá mudou? Ele continua igual, com o
mesmo comportamento palaciano, o mesmo encaminhamento heterodoxo do ponto de
vista da ética".
Para
o cientista político José Álvaro Moisés, da USP, as hostilizações vêm no bojo
do avanço da cultura de intolerância verificado desde o impeachment, processo
iniciado em dezembro de 2015 e concluído em agosto de 2016, com a ascensão de
Michel Temer (PMDB)."E essa cultura se revela dos dois lados, é tanto de
esquerda quanto de direita. Não acreditam nos mecanismos de controle e querem
fazer Justiça com as próprias mãos.
"Para
Moisés, a reação popular precisa ser institucional. "Tem o Ministério
Público, a Defensoria Pública, a imprensa, precisa bater à porta dos partidos
políticos", defende. "Essa prática, condenável e injustificável, só
tem a criar mais conflito e desesperança. Um clima de que não tem saída, que é
a pior solução que poderíamos ter.
"Romano, da Unicamp, pondera que esses protestos,
individuais, exatamente advêm de não encontrar partidos políticos, sindicatos e
movimentos de fato organizados e articulados. Para o filósofo, a mudança virá
do engajamento coletivo: "Junte-se a movimentos políticos, organize-se,
proponha. Tem de militar do ponto de vista político e não apenas extravasar seu
ódio momentâneo".
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