By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: PORTAL TERRA – Imagem: Divulgação
Dilma disse que seu governo foi vítima de um golpe, mas que é hora de
"perdoar a pessoa que bateu panela achando que estava salvando o Brasil,
e que depois se deu conta de que não estava". Ela também afirmou que
não vê problemas em alianças entre seu partido e figuras como o senador
Renan Calheiros.
No aspecto pessoal, a ex-presidente contou que tenta manter a rotina de
exercícios físicos e de tempo com a família. Também não descartou
voltar a concorrer a um cargo político. E, em meio à controvérsia
envolvendo a declaração racista do jornalista William Waack, afirmou:
"o PT é coisa de preto, eu sou coisa de preto".
DW Brasil: Como a senhora avalia a situação em que o Brasil se encontra hoje?
Dilma Rousseff:
O golpe que sofri tem três fases. A primeira e inaugural é meu
impeachment. A segunda é esse estrago que eles estão provocando no
Brasil, como a emenda que congela os gastos em saúde e educação. Ou a
reforma trabalhista, num país que há pouco tempo saiu da escravidão, e
esse processo de venda de patrimônio público. O terceiro momento do
golpe é inviabilizar o Lula e, aí, vender o pré-sal.
Sobre as eleições de 2018, quais são suas expectativas?
Há uma maior percepção no Brasil de que o Lula está sendo perseguido.
Em que eu baseio essa afirmação? Se você olhar o desenvolvimento das
pesquisas, vai ver que está subindo a aprovação. É a percepção do povo
brasileiro de que ele foi o melhor presidente. Minha esperança seria ele
voltar. Na época do impeachment, eles (a mídia e os adversários
políticos) conseguiram colocar a rejeição a ele e ao PT lá em cima. Eles
apostam que o povo brasileiro é ignorante. Mas o povo brasileiro vai
percebendo esse grau de intolerância e de perseguição.
Como a senhora vê a aproximação do PT com o PMDB em diversos estados? O
próprio ex-presidente Lula já afirmou que está "perdoando os
golpistas". Não é um tanto incoerente o PT denunciar um "golpe" e voltar
a se aliar com um partido que o teria traído?
Dificilmente nós faremos aliança com o PMDB em nível nacional. Mas você
vai falar que não pode fazer aliança com o (senador Roberto) Requião? O
Requião é do PMDB, e uma pessoa que combateu o golpe. Você não vai
fazer uma aliança com a Kátia Abreu? Ela foi outra que combateu o golpe.
E figuras como o senador Renan Calheiros?
O Renan não trabalhou a favor do golpe.
Mas ele votou pelo impeachment.
Ele presidia (o Senado), não podia votar.
O voto final dele foi pelo impeachment.
Mas ele não trabalhou pelo impeachment. E essa não é questão relevante.
Não acho que perdoar golpista é perdoar o PMDB e o PSDB. Acho que
perdoar golpista é perdoar aquela pessoa que bateu panela achando que
estava salvando o Brasil, e que depois se deu conta de que não estava.
Uma hora nós vamos ter que nos reencontrar. Uma parte do Brasil se
equivocou. Agora isso não significa perdão àqueles que planejaram e
executaram o golpe. Você tem uma porção de pessoas que foram às ruas e
que estavam completamente equivocadas. Mas você não vai chegar para elas
e falar 'nós vamos te perseguir'. Precisamos criar um clima de
reencontro, entende? Não vai ser um clima vingativo, não pode ser isso.
A política brasileira não está precisando de renovação depois do
impeachment? Não seria o momento de abrir espaço para novas lideranças,
especialmente na esquerda?
(Dilma gargalha) Isso se chama "como tirar o Lula da parada". Tá entendendo?
Com o impeachment o PSDB acabou, sumiu. O que os conservadores
conseguiram produzir? Produziram a extrema direita, o MBL (Movimento
Brasil Livre) e o (Jair) Bolsonaro. E o que ainda é novo no Brasil? O
gestor incompetente, tipo o Trump? O João Dória? Ou você deseja a
política de animação de auditório como política social, que é o Luciano
Huck? Isso é o novo?
Sabe o que eu acho que é o novo? Esse foi um pensamento que tive depois
do caso do William Waack. Você sabe o que é coisa de preto? O PT é
coisa de preto. O Lula é coisa de preto. Nós somos coisa de preto. Eu
sou uma coisa de preto.
Como está sendo sua rotina um ano após o impeachment?
É uma rotina que depende de onde estou, seja em São Paulo ou em Berlim.
Participo de aulas, debates, conferências, caravanas - estive na do
nordeste e na de Minas Gerais. Sempre que posso faço minha atividade
física, ando de bicicleta, pelo menos 50 minutos por dia.
Quando estou em Porto Alegre fico com meus netos, às vezes, levo para
dormir na minha casa. Criança tem uma energia inesgotável e não temos
mais a mesma energia. Mas ser avó tem esse mérito: a gente estraga
bastante e depois devolve para a mãe.
Não parece existir no Brasil um papel bem definido de ex-presidente,
como nos EUA e em alguns países europeus. Que tipo de ex-presidente a
senhora vai procurar ser?
O presidente só tem direito à segurança e uma pequena assessoria. Em
algum momento, vão ter que discutir qual é a proteção que tem um
ex-presidente, a física, a legal, não acho que um ex-presidente possa
voltar a trabalhar na iniciativa privada. Acho que isso é incompatível
com o ex-presidente. Vai ter que definir o que é. Nos EUA, está
estipulado.
A senhora vai ser uma ex-presidente que vai procurar novos mandatos políticos?
Não vou deixar de fazer política porque sou ex-presidente ou não tenho
um mandato eletivo. Fiz política minha vida inteira, eu estive presa não
era porque eu era técnica, ninguém vai para a prisão por ser técnico.
Fiz política a vida inteira e não precisei de mandato parlamentar para
continuar fazendo, obviamente num ritmo compatível com a minha idade.
Então pretende mesmo voltar a se candidatar a algum cargo?
Não descarto, mas ainda não pensei de maneira séria sobre o assunto. No
Brasil, se eu falar que não vou me candidatar e depois mudar de ideia,
vou ter que dar um chá de explicações. Contemplo a possibilidade para
não ter que dar explicação.
A senhora acha que a história vai lhe dar razão?
A história no Brasil tem sido rápida. Ela já está me dando razão.
Eduardo Cunha, que presidiu meu impeachment, foi afastado, suspenso,
condenado a nove anos e está preso. Vários processos mostram que ele
comprou deputados. Também foi comprovado que os motivos alegados para o
impeachment eram ridículos, que não pratiquei nada ilegal.
Alegaram que o impeachment ia resolver a crise econômica e política,
mas essas crises só se aprofundam. O atual presidente usurpador já foi
denunciado duas vezes, e o senador Aécio Neves também, ambos enfrentam
provas cabais e gravações. Mas essas duas pessoas continuam em seus
cargos, enquanto duas outras (Dilma e Lula) são acusadas apenas por
terem sido presidentes.
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