By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: A TRIBUNA – Imagem: Divulgação
O esquecimento de compressa cirúrgica dentro do
ventre de gestante após a realização de cesariana não se configura erro
médico. Ele deve ser considerado “infortúnio” da paciente, que não pode
ser atribuído à má técnica ou ao procedimento do cirurgião. Com essa
fundamentação, o juiz Joel Birello Mandelli, da 6ª Vara Cível de Santos,
julgou improcedente ação da parturiente para que fosse indenizada por
dano moral.
Vítima de uma situação à
qual não deu causa, a mulher ainda foi condenada no processo por ela
ajuizado em face do ginecologista que a operou e da Santa Casa de
Santos. Na sentença, Mandelli determina que ela pague as custas e
despesas processuais, além dos honorários advocatícios em favor dos
réus, arbitrados em 10% do valor atribuído à causa, que é de R$ 310 mil.
Cabe recurso da decisão.
Conforme a
autora da ação, o parto foi do seu primeiro filho, ocorrendo em 4 de
agosto de 2011. Após a cesariana, ela começou a sentir desconforto e
dores abdominais. Diante de falso diagnóstico de tumor, precisou ser
internada às pressas para nova operação, no dia 19 de setembro. Porém,
durante o segundo procedimento, descobriu-se que não havia tumor, mas o
corpo estranho colado à parede do intestino.
O
hospital alegou que não poderia ser responsabilizado por inexistir
vínculo empregatício entre ele e o ginecologista. O médico sustentou que
agiu “de forma profissional e diligente, isenta de negligência,
imprudência e imperícia, sendo o caso de insucesso procedimental
decorrente de caso fortuito”. Diante desse quadro, eventual conciliação
entre as partes ficou frustrada em audiência designada para esse fim.
Laudo
Para
decidir a causa, o magistrado se valeu de laudo de perito do Instituto
de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (Imesc). Embora não
esteja exclusivamente vinculado às conclusões do especialista e possa
confrontá-las com as demais provas do processo, o juiz as considerou
suficientes para isentar médico e Santa Casa do dever de indenizar a
parturiente por dano moral. “É o que basta para a improcedência da
ação”.
O perito reconheceu em seu
laudo que há nexo causal (relação) entre o “corpo estranho” (compressa
cirúrgica) retirado da vítima na segunda operação com a cesariana à qual
foi submetida um mês e meio antes. Contudo, concluiu que isso se
constitui “evento raro esperado na vida laboral médica de cirurgiões que
abrem a cavidade abdominal, que pode ocorrer com renomados cirurgiões”.
Segundo
o especialista, o esquecimento da compressa no corpo da paciente
“independe de habilidade técnica ou procedimento para evitar o fato.
Entre os cirurgiões existe a tendência de não se considerar o fato como
grave e deve ser tratado de forma adequada”. Ele ainda considerou de
“difícil estabelecimento” a eventual relação do evento com alterações
psicológicas e psiquiátricas que a gestante afirma ter sofrido.
Acusação e defesa
Defensor
do ginecologista, o advogado Arnaldo Tebecherane Haddad, que também é
médico, juntou ao processo fotos e vídeo de cirurgias reais. O seu
objetivo foi demonstrar que compressas utilizadas durante operações, com
facilidade, se confundiriam com estruturas abdominais. “Embebidas em
sangue, elas ficam imperceptíveis, afastando o erro médico”.
Reafirmando
o teor do laudo pericial, Haddad ainda declarou que há três tipos de
cirurgiões: “o que deixou algum corpo estranho, o que ainda vai deixar e
o mentiroso”. Defensor das conclusões do especialista do Imesc, que
afastaram do ginecologista qualquer responsabilidade por dano moral,
Haddad acrescentou que as partes tiveram a oportunidade de lhe formular
quesitos e de também indicar assistente técnico.
A
advogada Ana Carolina Pinto Figueiredo Perino representa a parturiente.
Ela disse que a cliente ficou “chocada” com a sentença, publicada na
última quarta-feira (19), e antecipou que recorrerá ao Tribunal de
Justiça de São Paulo. “O curativo judicial para o erro médico dói na
alma quando decisões caem na vala comum do mero aborrecimento. O que
pensará a mulher? Sofrer tanto e ainda ser condenada”.
Um “atento checklist
(checagem)” dos materiais manuseados no parto detectaria a falta da
compressa e esta não seria esquecida dentro do corpo, conforme Ana
Carolina. Segundo ela, tal conferência evitaria que a cliente fosse
novamente operada e ficasse oito dias internada com dreno, sem poder
sequer amamentar o filho recém-nascido. “Mas a sentença diz que pode
acontecer com qualquer um e ninguém é responsável”.
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