By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: G1 – Imagem: Divulgação
“Foi muito sofrimento. Falta de comida, de lugar pra tomar banho, pra dormir. Tive que aprender a me virar. Foi muito duro”, disse ele.
Hoje, Marcelo vive na República Reviver, espaço da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e administrada pela Arquidiocese de Belo Horizonte, que oferece moradia temporária para homens sem-teto. São 40 vagas disponíveis, cuja permanência é por no máximo 18 meses. “Meu sonho agora é providenciar a minha casa”, contou.
Marcelo foi parar na rua depois de um desentendimento com a família. “Tive alguns problemas com parentes e acabei ficando sem lugar pra ficar”, disse. Desempregado, era difícil conseguir trabalho sem endereço fixo. “Quando eu dizia que morava na rua, que não tinha casa, já perdia a vaga”.
Em 2014, Marcelo tomou uma decisão que mudou sua vida. “Decidi pedir ajuda. Foi aí que conheci a república e fui encaminhado para o acolhimento. Tinha que me reerguer”. O ex-morador de rua buscou nos livros o caminho para uma nova chance.
“Na república tem uma minibiblioteca. Comecei a estudar muito e pensei em fazer vestibular”. Marcelo passou no curso de tecnologia em gestão pública da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Porém, ele desistiu no 2º período. “Eu passei por um momento que estava desestruturado, mas penso em voltar”.
Em fevereiro, ele ficou sabendo do edital do processo seletivo. Apesar de já ter ingressado em uma universidade, Marcelo resolveu concorrer ao cargo de nível fundamental incompleto. “Eu estava buscando estabilidade. Uma possibilidade para me reerguer, estruturar a minha vida”, disse.
O resultado saiu em abril, surpreendendo Marcelo. “Quando eu saí da prova, senti que tinha ido bem, mas nunca imaginei ter ficado em primeiro lugar. Passou um filme inteiro na minha cabeça. Nada na minha vida veio fácil. Foi bastante sofrimento. Ter conseguido passar foi uma alegria imensa”. Marcelo tomou posse do cargo e já está trabalhando. Ele recebe R$ 876,66 por mês.
“Foi uma explosão”, disse Jusair Santos da Silva, de 50 anos, ao saber que foi o 20º colocado no mesmo concurso disputado por Marcelo Batista Santiago. Assim como o candidato mais bem colocado, Silva também viveu nas ruas de Belo Horizonte por quase três anos.
“Cheguei aqui em setembro de 2012. Foi a primeira vez que senti na pele como essa vida é dura”, contou. Naquele ano, ele estava em Cuiabá (MT) e acabou aceitando uma carona para a capital mineira.
Nascido em Paracatu, na Região Noroeste de Minas Gerais, Jusair disse que serviu na Marinha quando jovem. Morou em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, onde teria cursado três anos em uma faculdade de letras. “Larguei porque conheci minha mulher”, contou.
O casamento acabou não dando certo. “Eu não queria ficar na dependência de família. Deixei casa, tudo pra ela (esposa). Só fiquei com a minha moto”. O filho também ficou pra trás. “Ele já tem 25 anos. É homem feito. Nunca mais falei com ele”, disse.
Depois que saiu de casa, o dinheiro foi acabando e Jusair teve que vender a moto. Ele se mudou várias vezes e sobreviveu através de pequenos serviços. Ao chegar a Belo Horizonte, não tinha mais nada. “Dormi na rodoviária por uma semana. O pessoal de lá me disse pra procurar a assistência social que tem lá mesmo. Foi quando me indicaram um albergue pra moradores de rua”.
Meses depois, Jusair conseguiu uma vaga na República Professor Fábio Alves, também administrada pela Arquidiocese de Belo Horizonte. Foi quando ele ficou sabendo do concurso que iria mudar sua vida. “Eu vi num jornal que a inscrição era gratuita. Foi aí que eu pensei, ‘é isso, é a minha chance’”, contou.
Jusair estudava todos os dias na Biblioteca Estadual Luis de Bessa, na Praça da Liberdade, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. “Foi uma luta. Aí, o dinheiro do Bolsa Família saiu. Dos R$ 77, gastei R$ 45 com a apostila. Três dias antes da prova, eu 'devorei' ela”, disse. Ele acabou se tornando auxiliar de limpeza do Hospital de Pronto Socorro João XXIII, o maior de Minas Gerais.
Segundo as repúblicas Reviver e Professor Fábio Alves, os dois concursados estão inspirando outros moradores de rua a mudar de vida. “Meus companheiros de rua, pessoal do albergue me para o tempo todo pra me cumprimentar. Fico feliz", disse Jusair.
"Agora, além de conseguir uma casa pra mim, espero retomar o contato com a minha família. Sei que tem muita mágoa envolvida, mas tudo vai se resolver aos poucos”, contou Marcelo. Para Jusair, todo esforço valeu a pena. “Quero firmar o pé. De tanto caminhar nesse trecho, eu acabei chegando até aqui. Qualquer pessoa pode. É só querer”.
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