segunda-feira, 17 de julho de 2017

Entre o lixo e bico de árbitro, goleiro se vira nos 30 para sobreviver



By: INTERVALO DA NOTICIAS
Texto: NAPOLEÃO ALMEILDA (UOL) Imagem: Divulgação



Você conhece aquela parábola do jogador que bate escanteio e corre cabecear? O famoso faz-tudo, pau pra toda obra, se vira nos 30? No Paraná, ela é real.
Donizete Gomes dos Santos, o Doni, é goleiro do Iraty, clube da segunda divisão estadual. O time bateu na trave na luta pelo acesso à elite paranaense, mas certamente não por falta de esforço de Doni. Além de goleiro, ele trabalha numa empresa de coleta de lixo reciclável em Irati, cidade de 60 mil habitantes a 150 km de Curitiba. Em duas das partidas da campanha que deixou o Azulão na terceira posição geral, a uma do acesso, o goleiro estava catando lixo antes de ir defender as bolas chutadas contra o seu gol.
"É, realmente é verdade. Eu, além de jogar futebol, trabalho num centro de reciclagem. Já há algum tempo que eu venho trabalhando nesse centro de reciclagem para poder sobreviver", contou. A rotina é puxada. "Pego cedo, levo as crianças para a escola e vou para a reciclagem. Fico até 15h, 15h30 e vou treinar", conta. Contra o Operário, clube campeão da elite estadual em 2015 e que atualmente disputa a Série D do Brasileiro, Doni fechou o gol.
"Eu naquele dia trabalhei na reciclagem até as 15h, cheguei em casa correndo, tomei um banho e desci pro clube. Pegamos o ônibus e fui jogar", relembra, sobre a partida que terminou 3 a 2 para seu time. O Operário de Ponta Grossa, cidade 100 km distante de Irati, é um dos clubes mais tradicionais do Paraná. Embora esteja na segunda divisão local, eliminou a Desportiva Capixaba-ES e está a quatro jogos do acesso para a Série C nacional. Diante do Iraty, em duas ocasiões, parou em Doni e vai amargar mais um ano na segunda divisão do Paraná.
Não foi a única nem a primeira vez em que Doni fez isso. "Contra a Portuguesa Londrinense a gente tinha viagem logo cedo e pintou um trabalho para montar e desmontar um palco de um show aqui na cidade", conta, "Então nós começamos a montagem a noite e fiquei até as seis da manhã desmontando. Tomei um banho e entrei no ônibus pra ir jogar". Foram cinco horas e meia de viagem e um placar de 3 a 0 a favor, com boa atuação.
Natural de Prudentópolis, cidade vizinha a Irati – e também onde começou Alex Muralha, goleiro do Flamengo – Doni está com 26 anos. Fez testes no Atlético-PR, no São Paulo, rodou por Mato Grosso, Minas Gerais e voltou ao Paraná. Além de jogador profissional, é federado como árbitro de futsal e de futebol em jogos dos times amadores da Federação Paranaense. Cata e recicla lixo, apita jogos amadores e tenta evitar gols para conseguir pagar as contas.
"O salário de jogador não dá", diz, referindo-se aos pouco mais de R$ 1.000 que tem como vencimentos. "Ano passado se trabalhou pela renda. Nesse ano por salários, que estão atrasados. O Iraty está recomeçando. A família da minha mulher começou a trabalhar com lixo reciclado, em 2012. Eu trabalho para sustentar minha família. O ganho é pouco. Tem mais gente com a gente, então não é muito, mas é para poder manter a casa, os filhos"
"Muita gente pensa que jogador de futebol ganha horrores de dinheiro. Realmente, na Série A, na Europa, ganha. Mas nós que estamos ainda lutando por um lugar ao sol, era um pouco mais de R$ 1.000, e ainda estava atrasado". O Paranaense da segunda divisão chegou ao fim com o Maringá campeão. O Iraty de Doni foi eliminado na segunda fase. União, de Francisco Beltrão, e Maringá, vão estar na elite em 2018, contra Atlético-PR e Coritiba, entre outros.
Doni, porém, só voltará a jogar em 2017 se arrumar outro clube. Sem calendário, o Iraty não joga até o começo da segunda divisão do ano que vem, por volta de abril. Isso se o clube mantiver as atividades. Senão, Doni terá que se reciclar profissionalmente, outra vez.

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